sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Gheorghe

Gheorghe chegou cá. Vem da Moldávia e traz pouco mais do que a roupa que veste. Resolveu a fim de ganhar a viagem, e quiçá mais qualquer coisa, subir a oliveiras, que a época a isso se presta, e apanhar azeitonas verdes, muito grossas, que depois nos darão azeite. Num dia de empreitada considerável, debaixo de uma chuva miudinha e incómoda, deixou esbarrar um pé e caiu no chão. As coisas miúdas têm destes senãos, que podem até parecer pequenas, quando analisadas apenas no tamanho, mas quando incluídas no seu poder e dimensão, percebemos que são fortes, quase maiores do que verdadeiras imensidões. Adiante. Agora, quase não se consegue mexer. Mantém um sorriso franco e uns olhos que me transmitem medo, vazio e solidão. A minha mulher entretanto chega. Não a vejo há muito, sabe. Quero tanto vê-la. Será que a Senhora a deixa vir até cá? Perante esta pergunta sinto-me um tanto ou quanto sucumbida, um sentimento estranho, despoletado por aquela solicitação de autorização, como se em mim residisse algum poder de decisão, coisa totalmente descabida, mas verdadeira, muito verdadeira na cabeça de Gheorghe. Claro que pode, respondo. Nos entretantos, deixamos que devagarinho se ambiente a um meio que percorre em cuidado, não vá virar-se de repente e deslocar de novo o corpo, ainda entorpecido e magoado. Não o percebo muito bem e talvez por isso, vou-lhe olhando para os olhos. Os olhos é uma parte do corpo que nos fala, tal e qual nos fala a boca, a língua, a garganta. Minto, fala mais, embora sem emitir qualquer tipo de som. Fala pelo menos, mais verdade. Por isso, encolho-me um pouco quando oiço o que me diz, mas ele, insiste em falar-me, e não esconde em nada o que lhe corre no corpo. Ainda bem que hoje é sexta. Logo, cerca das três, chega o sr Victor que me oferta sempre um caramelo de nata doce. Doçura e calma, é exactamente o que eu preciso de enfiar pela goela.

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