segunda-feira, 2 de abril de 2012

Dentro de mim

Vive lá dentro do corpo, com uma diferença clara com a maioria das gentes. Todos vivemos cá dentro, dirão por certo, muito embora a nossa reserva seja uma linha transponível, que transladamos ao sabor das nossas vontades, dos nossos quereres ou até necessidades. Agora dentro, agora fora. Ele também queria assim ser, queria sair de dentro daquela pele que o aprisiona e o guarda do mundo, mas sente-o como um local estranho e aterrador, e por isso reserva-se. Reserva-se dos sons altos que o assustam, dos desconhecidos que o perturbam, das novidades que o deixam entregue ao desconforto. Por isso precisa dos dias sempre iguais. Come o pequeno almoço com o nascer do sol, almoça ao meio dia, lê uma banda desenhada imediatamente a seguir ao almoço. Ao final da tarde passeia o cão perto de casa, e rente à noite, mas ainda dia, janta. Logo depois tapa-se com uma manta no sofá e embala o corpo até adormecer. A família mais chegada conhece-lhe os hábitos e preserva a envolta, sendo apenas quando a rotina se altera, que o seu mundo lá dentro começa a chocalhar. Inicia-se então o processo de arrumação do que lhe é totalmente desconhecido, do que lhe é externo, do que nunca conseguiu ver, conceber, sentir e apropriar. Por vezes tenta entender, devagar, a medo, tenta construir dentro do que já conhece a realidade e o que se avizinha, chegando até a conseguir algum mísero progresso, tímido, quase imperceptível. No fundo, sente algum sossego dentro deste seu mundo, muito preocupante pela diferença. Vai-se a ver e lá dentro, encontramos todas as essências mesmo essenciais, como o amor, a dedicação, o respeito ao próximo. São deles, mas estão lá dentro. Não fazem em pleno a transladação.

(Um dia tentei entrar. Abriu-me a porta devagarinho e contendeu com o meu corpo de forma calma e muito tranquila, sem pressas, sem pressões. A pouco e pouco descobri recantos escondidos, medos infundados. A resolução da posição perante a vida nunca é totalmente possível. Quebrou-se algures, é como um osso que deixou de crescer. Mas podem remendar-se com cuidado, respeito, vontade e proximidade. Aqui como em tanto, as mãos e os olhos representam o mundo.)

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