terça-feira, 3 de abril de 2012

Casamento

Subiu as escadas com um ramo de flores vermelhas e com os olhos a largar alegria visível. Nem sempre a alegria se percebe assim a olho nu, pode vir disfarçada, embrulhada em corpos oprimidos que a escondem sob pena de a perderem às vistas do mundo, um local amplo e demasiado povoado para se deixarem à mercê determinados sentimentos sublimes. Ainda assim não conseguiu disfarçá-la, partilhou-a comigo que me abeirei dele a meio do caminho, teve sorte, que se há coisa que não gosto é de me apropriar dos sentimentos alheios, pelo menos dos bons, que faço questão em preservar, em estimar, em respeitar, e até em retribuir e aumentar, se possível isso me for. Fez-me lembrar tempos longínquos em que um dia me ofertaram flores, também elas vermelhas, dentro de uma cesta ornamentada com um laço grande e farfalhudo, onde um bilhete escrito me pedia em casamento. A diferença, substancial, diga-se, é que a minha vinha pelas mãos da florista, incumbida de me fazer chegar aquele presente recheado de intenções. Não casei, claro. Não poderia nunca aceitar um pedido vindo em forma de papel florido, cor de rosa pálido, onde umas letras rabiscavam sentimentos arrependidos, nem sequer gosto de arrependimentos. Há coisas que soam bem vindas de bocas sinceras, com alegria a destilar pelos olhos, e não sobre a forma de remedeio, por mãos alheias com olhos mortos para o assunto em questão, como se o calor dos momentos partilhados pudesse ser assim substituído por um cheiro a flores, por um corpo indiferente, por um bilhete escrito onde as letras se lêem sem entoação, sem cheiro e sem emoção. Só voltarei a casar se me pedirem de joelhos no chão, ou então se me baterem assim à porta, bem cedo e mal se veja o sol, sem que se assustem com o meu ar despenteado, o meu corpo enfraquecido e o meu pijama com riscas e panteras cor de rosa.

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