quarta-feira, 28 de julho de 2010

Hermínia, minha tia

Hermínia era uma menina de aldeia, boas famílias, religiosas. Por meandros regidos pelo coração, que ninguém entende, bem sabem, perdeu-se de amores por um Homem bastante mais velho, de ar carrancudo e feitio difícil, do qual muito se queixou ao longo dos anos de casório, até que se acomodou à escolha feita. Ainda vem do tempo em que quem escolhe, escolheu, e em que o casamento era para a vida, até porque, também ela não era perfeita, que nasceu de ventre seco, e nem seria qualquer um que se acomodaria assim a não deixar descendência, constituindo pois este, fundamento mais do que fundamentado, para ser abandonada para todo o sempre, se o escolhido ambicionasse constituir família, para além da esposa. Deus foi-lhe portanto generoso, que lhe trouxe alguém disposto a ultrapassar tamanho defeito, pelo que só poderia estar-lhe grata, a aceitar de bom modo e dedicação, o marido que lhe deu. Em pequena, cheguei a frequentar-lhes a casa, e lembro-me de a achar bonita, e de o achar asqueroso, quando regressava, vindo do trabalho, com os pés inchados a pedir consolo. Prontamente ela lhe arranjava a bacia de água com sabão clarim, os afundava e massajava com uma dedicação tremenda, enquanto ouvia as queixas da gota, do reumático e do ácido úrico. Fez-se aquilo, ouvia eu, dizeres da minha avó, que muito de perto vivia a história, ou não fosse cunhada querida e do coração.
Hoje olho a família, fraca que seja, que continuam dois, e vejo dois velhos em vez de um. Um, já muito velho, ainda mais cocho, ainda com mais gota, ácido úrico e reumático, para além de outros males, decorrentes da velhice. Ela, já desdentada, embora ainda sem idade para isso. Povoada por um desleixo de morte, que a apanhou ainda em vida, para não mais se largar, fico sempre na dúvida, se é o desleixo que é poderoso em algumas gentes, se são algumas gentes, que são por demais fracas, perante a sua presença. Talvez porque se gastem de mais em coisas vãs, que as sugam e lhes levam a existência, como se essa, grandiosa coisa, se pudesse assim desperdiçar, e sensato fosse, entregar vidas de mão beijada a alguém. Nem sei bem o que ela sente ao olhar para trás e para os anos de dedicação. Nem sei se o amor que lhe sentiu, foi forte o suficiente, pra lhe acartar alguma felicidade, em tão limitada existência, e no meio dos desafogos, que todos temos, é certo. Se assim foi, que admito possível, dado a estranheza do coração, um bem haja para ela, que foi feliz. E que eu me debruce bem sobre o amor, a felicidade e a vida, que estou longe, mas tão longe, desta quietude.

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