sexta-feira, 11 de março de 2011

Compras

Na caixa do supermercado, nasciam pessoas. Um senhor, de gabardina cinzenta e ar altivo, constatou o facto com astúcia, e bradou bem alto que era preciso pôr mais caixas a trabalhar, que o que não falta é gente precisada, e a hora era de ponta, sendo necessário escoar. Ainda por cima, ele tinha pressa e uma mãe em casa à sua espera. Ninguém o parecia ouvir, devido à descrição própria da boa educação, e ele gritou bem alto, num contraste notório, não fosse passar verdadeiramente despercebido. Na minha azáfama de fim de dia, entre pacotes que teimei comprar à quinta, para não ter voltar ao Sábado, às verdadeiras enchentes de gente, nem detecto que estou numa caixa prioritária. Nada de muito grave em mim, que nos últimos dias já perdi uma embalagem de comprimidos, já confundi empresas, já me esqueci onde estacionei. Ouço um choro intenso ao perto, já sentido à muito nos corredores. Ecoam os choros de recem nascidos, tenho-lhe umas estranhas saudades indefinidas, que deambulam intermitentes, nuns pensamentos que nem vêm ao caso. Dou a prioridade devida. A senhora, de ar triste e cansado, segura dois. Um na mão, outro no colo, o tal que chora. No carrinho vermelho equipado com um assento desperdiçado, daqueles pequenos onde pouco cabe, o espaço sobrava. Encontravam-se apenas duas paletes de cerveja mini, que ela paga com duas notas de dez, que consegue retirar da sua carteira suja e encolhida, que numa primeira vista, nada parecia albergar. Eu própria, se não visse, a juraria vazia. A seguir sou eu. Um segurança insiste em arrumar-me as compras em sacos já devidamente preparados para o efeito. Mistura-me iogurtes magros com pão acabado de cozer. Pensei calar-me, não fosse confundida com o Senhor da gabardina, mas foi-me impossível. Pedi-lhe, delicadamente, que me deixasse ser eu a dividir as minhas compras. Insistiu que não, e retirou-me de lá o pão, sem qualquer tipo de especificação da minha parte. A seguir, olha-me sorridente, enquanto junta às barras de cereais um gelado Häagen Dazs. Doce de leite, claro. Paguei e vim embora.

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