quinta-feira, 2 de junho de 2011

Agora, não quero...

Agora sou grande, e tenho dias em que ando um bocado farta. Já não posso tanta coisa. Ainda recordo, da pressa de crescer, como se o ser grande fosse um local bom para se estar, e o ser pequeno, uma passagem, que deveria correr depressa, para se poder isto e aquilo. Podemos umas, perdemos outras. Já não faço bonecas de papoila. Já não ando de bicicleta, já não esfolo os joelhos. Já não me lembro muito bem de como se ordenha uma vaca, de como cheira o pão no forno, de como se amassam as broas que fazia a minha avó. Já não sinto o cheiro da oliveira onde andava de baloiço, já não brinco debaixo das mesas, pode tornar-se feio. Já não faço corridas, nem choro se não ganhar, ou melhor, não choro nunca, caso ainda não tenham percebido. E se o fizer, num nunca perdido em nenhures, faço-o escondidinha, que é mais ou menos o mesmo que não fazer. Já não sinto o cheiro das fontes nem dos rios que corriam na horta, onde apanhava agrião verde viçoso. Já não apanho formigas nem derreto massas em água. Já não brinco com bonecas nem com carrinhos de linhas vazios. Já não subo as escadas duas a duas, mas às vezes tento. Não devia, fico desiludida. Já não leio livros da Anita a julgar que a vida é assim, mas sou capaz de ler um se o apanhar. Ou dos cinco, ou dos sete, ou da Susana apaixonada. Já não como carreirinhas de pinhão nas festas. Já não gosto muito de cor de rosa. Já não durmo com a luz acesa, nem acordo de madrugada para ir brincar. Nem perco o sono se for passear. Já não calço sapatos rasos [ :)]. Já não faço castelos de areia, e dos outros, se os fizer, estou tramada, por isso, faço pouco. Já não jogo à macaca e ao elástico, mas tenho para mim que ainda conseguia. Já não ando de mão dada com a minha mãe. Já não ando despenteada e tenho saudades. E descalça, e a correr ao vento. Já não acredito no Pai Natal, e nas fadas. Já não ando dentro de um carro de mão, nem me puxam em cima de uma toalha de praia. Já não me levam às cavalitas, e desta tenho mesmo muita pena. Já não me inventam coisas que douram o mundo, nem me escondem desgraças. Já não me afagam o cabelo, ou fazem-no pouco. Já não me fazem festas quando me magoo, e eu, também já não quero. Já não posso comer chocolate como se não houvesse amanhã, nem salame, nem gelados ou gomas doces. Já não acordo leve e adormeço igual. E podia ter dito isto ontem, mas foi hoje. E também podia dizer o que posso fazer porque sou grande, mas agora não quero.

1 comentário:

  1. Olha, gostei tanto de ler este texto :):) e tenho por mim que há para aí uma coisa ou outra que já não te apetece mas que vai a voltar a apetecer-te :):)-sapatos rasos, por exemplo, mas há mais :)

    Beijos

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