segunda-feira, 6 de junho de 2011

Vizinhanças

Faz-me alguma espécie o excesso de seriedade. E com isto não refiro a honestidade, que essa, nunca é excessiva, mesmo quando nos acompanha em vida desde cedo e até ao fim, e nos deixa moldados a ela, e dispares de grande parte do mundo. Cá nos havemos de arranjar, correndo o real risco de nunca sermos grandes, daquela grandeza que se vê a olho nu, mais das vezes, a única considerada precisa. Refiro-me a outra seriedade, como a da Dona Ana da Igreja, que caminha direita que nem um fuso, olha de lado os namorados que se passeiam de mão dada, e deita um olho de esguelha, quando na escada, vê as minhas unhas dos pés pintadas de azul. Encontra-se muitas das vezes à porta do prédio, de semblante carregado, enquanto espera os moços estudantes que lhe moram na casa em frente, e que riem e falam como se ela lá nem estivesse. Engraçado isto de gente que quase não é vista, ver tanto. Parece-me quase inversamente proporcional, pelo menos, em alguns casos. Ela vê que se farta e enche-se dessas visões, que depois destila em casa, devagarinho, enquanto enrola o carrapito rijo e sem graça na nuca, sempre, sem esboçar um sorriso. O marido, entretêm-se a dar de comer à passarada da envolta, e aos cães abandonados que ladram noites a fio. Passa horas naquilo, e julgo que sei porquê, mas não digo. Quando sobem os dois, ela, sobe invariavelmente atrás, sendo ele que lhe abre a porta, lhe tira a chave, lhe cede a passagem, e depois fecha tudo. Não vejo, mas imagino que logo após, se liberta da mala na mesinha da entrada, calça a chinela de casa na dispensa dos sapatos, e trata da lida, mecânicamente, enquanto lá dento de si, magica a vida dos arredores. Nunca me lembro de a ver sorrir, falar desprendidamente, ou libertar qualquer tipo de emoção. No seu intimo, restam-lhe duas opções. Ou a exalação desmedida, onde ninguém a vê, ou uma contenção impossível, que me parece a mais evidente. E digo impossível, porque sem ela querer, lhe escapa do corpo devagarinho, e se insurge no desdém que dá, carregadinho de sentidos recalcados. Um dia, e em caso de soltura, o melhor será fugirmos todos a eito.

1 comentário:

  1. Ó pá! Há tantas dessas por aí! Infelizmente, coitadas. Só espero que sejam todas já velhas e que não deixem sucessoras...

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