Ele pergunta-lhe ao longe o que é que ela quer dizer com aquilo. Não quer dizer nada, ela não quer dizer nada. Sente-se apertada, quase que lhe salta o corpo de dentro, escorrendo-lhe em forma de água pelos olhos que limpa depressa, ninguém pode vê-la naquele propósito. Respira muito fundo e conta devagarinho, tal e qual a ensinaram para um momento de concentração. Ele insiste, e ela ao ouvi-lo não consegue se não deixar-se ir. Não gosta destas sensações de impotência que experimenta por vezes. De quando se sente inundada de uma qualquer força que lhe rouba o arbítrio, a vontade, a firmeza, coisas que preza para além de muitas outras, consideradas por muitos. Naquele instante percebeu-se frágil, e apeteceu-lhe fugir dali. Esconder-se num local onde não fosse vista, nem ouvida, nem sentida, e onde pudesse de novo ganhar forças, retemperar ares, ganhar sustento. No carro que empurra uns pequenos olhos fixam-na como se esperassem dela o que ela não tem. Deveria ter lá dentro corpo, sangue, dedicação, coisas que procura, todas, todos os dias, mas que não encontra nem sabe porquê. Preciso de mim, diz-me baixinho, enquanto se limpa num lenço verde com cheiro a mentol. Preciso de me encontrar outra vez, o que vai ser de nós se nem me encontro?
( As percas podem constituir vazios de alma que nos habitam o corpo, e que percepcionamos como invasões estranhas de sentires que não são nossos. Ou melhor, que são nossos, mas que não queremos que sejam, e que tentamos a todo o custo expelir para fora. O desespero surge quando nos queremos libertar em vão. Quando uns olhos não nos acalentam, quando um sorriso não nos despoleta outro igual. Nessas alturas nasce-nos um aperto no peito que nos acarreta e que nos deixa presos a lugar nenhum, como se nada nos pertencesse, como se não pertencêssemos a ninguém. Não aprecio desesperos, ocupam o lugar cimeiro dos sentires que me metem medo. Deixam a quem o sente o ermo da desesperança, uma realidade fria, fétida, perigosa. )
A celeridade e intensidade impostas pelo quotidiano não acompanham muitas vezes o nosso mais íntimo pulsar, a nosso próprio rítmo psicológico. O domínio total sobre nós próprios é uma espécie de liberdade, talvez a maior de todas, e quando abdicamos dele que seja por consentimento e nunca por desespero. Às vezes, numa relação de total confiança (o que é lá isso...?), não me importo de me deixar entregar nas mãos do outro(a), mas é perigoso, pode comprometer o futuro na lembrança do que aconteceu.
ResponderEliminarÉ perigoso, claro, mas como muitos perigos pode também ser delicioso. Mas tal como tu, temo sempre pelas consequências. Neste mundo temos sempre destas questões, que nos colocam num patamar elevado, e que por isso mesmo, e em casos opostos, nos pode deixar à mercê.
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