quarta-feira, 11 de abril de 2012

Perpétua

Aqui mesmo ao lado amontoam-se vegetações velhas e secas que me invadem o espaço, e que de quando em vez são cortadas por umas mãos amarguradas que se prestam a esse trabalho. Está sozinha, os filhos estão longe, têm a sua vida. Vejo-lhe nos olhos o respeito e o entendimento de quem percebe que as vidas não são todas iguais, que os filhos não são nossos, são deles próprios, que a vida dela se vai esvaindo aos poucos, enquanto as outras crescem ainda, e até um dia. É a lei da existência, alguém definiu esta continuidade contra a qual nada podemos. Enquanto agarra na foice com uma mão, aperta com a outra um lenço ao pescoço, não vá o vento levá-lo para longe, faz-lhe falta para lhe amarrar a trança comprida e enrolada na nuca, não possui muitos destes com tanta serventia, que é grande e negro, como deve de ser. Não usa cabelos soltos desde que enviuvou. Não liga a televisão desde que lhe morreu a filha. Vai ao cemitério todos os dias sem falhar um, a não ser que alguma filoxera danada a apanhe, tal como lhe apanha de quando as vez as videiras que entretanto esfanica. Deixa flores frescas, limpa a campa, ora devagarinho e em silêncio, enquanto debaixo da terra jazem os corpos que serão seus para sempre. No avental guarda um relógio onde espreita amiúde as horas do dia. O tempo faz-lhe falta. Tem a criação para tratar, o terço para rezar, e a cama aguarda-a, mal se faça noite. Não gosta especialmente da noite. Sente que uma vai levá-la, mas nem sequer é isso que assusta. São os seus olhos que se apagam no ermo onde mora. Se precisar ninguém a escuta. O dia, esse, ainda que solitário e surdo, faz-lhe muita companhia. Não tem a certeza disso mas julga que se gritar, ele quase a escuta, e ao  menos irá responder-lhe.

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