domingo, 25 de outubro de 2009

Saúde?

Entro, e sinto um arrepio na espinha. As paredes, claras, forradas a um qualquer azulejo sem graça. As plantas, as poucas que existem, tímidas e tortas. O chão, de um material rasco e banal, revelador por si só de um desconforto brutal. Aglomerados de pessoas nas salas de espera. Vazias de aconchego. Pouco mais do que cadeiras, e uma televisão presa lá no alto. Doentes de ar frágil, pijama azul e soro preso no braço, passeiam-se com ar de flagelo. Alguns fumam na janela. Vislumbro-a, lá ao fundo. Rodeada de familiares. Tem um robe ás flores, e, incrivelmente, apresenta um bom ar, dada a circunstância. Gosto dela. Há muito tempo. Não é daquelas que se gosta agora, para depois não se gostar. É das que fazem parte de mim. As visitas ficam na sala, porque a filhota não pode ir aos quartos. Só pode estar na sala, e somente durante meia hora por dia. O jantar é distribuído durante a hora das visitas. Passam umas Senhoras de bata azul, fazendo lembrar que tanto azul junto enjoa. Empurram um carro cheio de tabuleiros individuais. Não vi o prato, mas acredito que lá dentro, repousem postas de peixe cozido e uma qualquer batata requentada e mal cozinhada. De sobremesa, arrisco a maça assada. Sim, deve ser isso. O papo seco, com ar disso mesmo, vem embalado individualmente, em nome da boa higienização. A pequena tem de sair, mal batem as sete e meia. Eu fico, à revelia de um segurança de ar sisudo mais uns bons vinte minutos. Consigo ficar a saber quase tanto quanto sabia. Porque também ela nada mais sabe. O médico? Desde ontem que não aparece, responde-me. Talvez segunda, sei lá. Operam, não operam. Não sei... Entretanto tenho de sair, senão o jantar ser-lhe-á recolhido. Fico a vê-la afastar. Ela e outra jovem que chora compulsivamente com o afastamento da família. A minha amiga não chora. Acena-me com a mão. Pede-me que volte. Eu volto, respondo. Eu volto sempre a quem gosto. Deixo o edifício num elevador, e cá em baixo, os Seguranças olham-me de lado, como que a perguntarem-se de onde virei aquela hora. Eu, e mais meia dúzia de desobedientes. Não digo nada, obviamente, para além de um boa noite. Entro no carro, e vou até ao shopping. Tento executar uma dica que me deram, mas azar. Já tinha esgotado. Compro uma écharpe creme. Precisava de comprar uma écharpe, para me aquecer o corpo e a alma, depois daquele episódio. Falo com alguém sobre o assunto. Alguém entendido, que trabalha no meio. No meio dos Hospitais. Das pessoas doentes. Das famílias perdidas. No meu, não é assim. É velhinho, mas confortável. Deixamos ficar as visitas. Mas há excepções, eu sei. É a saúde que temos. Não, remato. É a doença que temos.

2 comentários:

  1. Tenho uma relação um pouco má com médicos e hospitais. Talvez porque tenha sempre tido más experiências...mas o que me revolta é a falta de acompanhamento, a distância, a falta de humanidade.

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  2. Os hospitais são todos iguais. São frios e tristes. A diferença está mesmo nas pessoas que lá trabalham. É como diz a Cueca... falta humanidade.

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