domingo, 4 de julho de 2010

A Dona Aurora

Hoje vi a Dona Aurora. A Dona Aurora é uma velha muito velha que abriu em tempos uma discoteca, já para aí nos oitenta. Bordava à mão e tomava conta do negócio, coisas que em tudo tinham a ver, como decerto constatam. Pensei que já por cá não andasse, que deve contar noventa e muitos, bem perto de cem. Ia direita, como sempre, alta e magra tipo aipo, com os seus brancos cabelos ao vento. Em tempos fomos colegas de profissão, num curso de rendas e bordados, onde ela ensinava a bordar, e eu dava umas luzes de desenvolvimento pessoal, a senhoras que bordavam por imposição. Em vésperas de meu casamento, ela teimou que lhe comprasse linho para me bordar uns lençóis à mão, a mim, que nada ligo a bordadura. Uma senhora bordadeira, logo me disse minha mãe. Faz o favor de aproveitar. Por estima lhe levei o linho, a fim da dita me postar as iniciais do casal, no que haveria de me cobrir o leito. Passados uns tempos os lençóis chegaram, apenas com a minha letra, coisa que deveras me teceu intriga. Minha querida, melhor pensei, e julguei por bem deixar só o C. Serão para ti, e para quem tu quiseres, hoje e sempre, que nesta vida as coisas podem mudar. Sorri-lhe e agradeci. Era uma velha muito velha expedita como só ela. Temo que com os anos não sobrem muitas velhas assim, que farão falta. Dos lençóis, confesso, não lhe senti o toque. Guardo-os com estima, que são lindos para quem os souber apreciar, numa arca recôndita, em conjunto com outras recordações.
A Dona Aurora não me conheceu. Deve estar senil, ou algo do género. Sorriu-me no vazio, e em resposta. Dizem que ainda borda. A discoteca já fechou.

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