sexta-feira, 9 de julho de 2010

Males

Ainda que tentando compreender tudo, transcendem-me coisas a mais, talvez para me fazer lembrar que Deus há um e é se for. A necessidade de fustigar gente que às vezes nem se conhece, com as maleitas do fígado, do coração e do intestino, não sei a que vale. Quem ouve acena que sim, numa concordância delicada, e emana ares de espanto, perante tamanha desgraça. Tenho memória vivaça, aguda, que me transporta em grande aqui e ali. Lembro-me bem da tia Augusta, dona do café central de certa aldeia, a par com muitos outros que todas elas têm um. A tia Augusta gostava de apregoar os males que a apoquentavam, a ela e aos seus, a viva voz para quem a quisesse ouvir, e para quem não quisesse, e que por azar estivesse nas redondezas. O mal varicoso, que lhe comia a perna aos poucos. O mal do estômago, que lhe azedava a boca e o espírito. O mal do intestino que lhe entupia as entranhas e lhe causava suores nocturnos dignos de referência, e a fazia bebericar todas as manhãs, um copo de água aquecida com farelo de dar às galinhas. Tanto lhe ouvi o pregão, que se calhar -la na rua, ainda me ocorrem de cor, os males por que perguntar. Ninguém acalmava as suas dores, enfados ou aflições. As velhas apenas ouviam, e exclamavam uns àààhhhh, pobre de ti Augusta. Se calhar o cerne de quem ouve é esse, julgar coitado o outro, e sortudo a si, mas nem deve funcionar sempre, que muito acontece, o rol da desgraça alheia, contagiar quem ouve, que por sua vez, encontra dentro da sua terrível existência, mal mil vezes pior.
A quem fala, deve libertar a alma, já que no corpo, tudo sustenta.

1 comentário:

  1. De vez em quando levo com «pinceis» desses. Acho que, no fundo, é a morbidez que leva certas pessoas a contarem as maiores desgraças a tudo quanto mexe.

    ResponderEliminar

Deixar um sorriso...


Seguidores