segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Carnaval

Existem coisas que são para as crianças. Muito embora por vezes as tomemos de assalto e queiramos apoderar-nos delas, vestindo uns fatos de freira ou enfermeira sexy, normalmente uma projecção recalcada que se destila em duas noites do ano. Nada tenho contra, eu que até gosto da data e da diversão. Até porque, e alargando o ponto de vista, a libertação interna é sempre uma coisa que faz falta ao povo, demasiado calcado pela envolta e com medo de libertar o que lhe vai dentro, sendo que aproveita qualquer hipótese de fazê-lo longe dos olhos da censura, com um à vontade que liberta a alma. É Carnaval, ninguém leva a mal, e por isso pode-se dançar a moda do Quim Barreiros com mãos peregrinas, um calor humano que só visto, pura diversão, enquanto se envergam trajes escolhidos a preceito para deixar transparecer determinadas partes do corpo normalmente mais recatadas, e que nestes dias podem ser vistas sem qualquer reserva ou pudor, enquanto se lançam serpentinas e bolinhas coloridas. Aqui na minha cidade costumava dar-se primazia à criançada, que desfila trajada com maior ou menor rigor, dependendo da escola a que pertencem, sendo que sempre se destrinçou muito bem o público do privado, com um aprimorado investimento deste último, que aproveita a data para publicitar o serviço, através de criancinhas vestidas de moranguitos vermelhos, marinheiros branquinhos e azuis, ou capuchinhos vermelhos com cestinha, caçador e lobo mau. Tudo isto em absoluto contraste com uns disfarces menos sofisticados, deixados muitas das vezes ao critério de cada casa, ou aproveitando materiais simples e de uso comum, para se brincar sem gastar muito dinheiro. Pós desfile, costumava-se presentear os garotos com uma qualquer banda ou grupo juvenil, coisa que este ano não ocorreu por motivos de crise, justificação aceite por todos, claro. Porém, e segundo as línguas da terra, que os meus olhos não viram tal coisa e ainda bem, gastou-se a sobra conseguida na tarde, para se brindar os foliões nocturnos com um senhor estranho, de nome José Castelo Branco. Diz quem viu que o senhor é alto e muito semelhante a uma figura feminina, de bochechas repuxadas, e cabelo liso, muito arranjado. Fez vibrar o povo, claro, cansado da crise, do desemprego, das contas para pagar e da vida de todos os dias. É engraçado este Carnaval adulto, que deveria ser apenas uma manifestação de alegria e boa disposição, e que reflecte, num tão curto espaço de tempo, tantos podres inerentes à sociedade, desde o oportunismo, ao mediatismo, passando directamente por outros despojos sociais, emergidos em jeito de diversão. Não fosse esta inversão de interesses, que relega o que verdadeiramente importa, e o caso nem merecia a minha atenção, passava-me ao lado, não me debruçava sobre ele. Assim, e com crianças à parte, enoja-me, e deixa-me ainda mais descrente da mísera sociedade onde me encontro.

1 comentário:

  1. Para mim Carnaval em adulta é nada mais do que alegria forçada. Só o de Veneza me seduziria... De qualquer forma, é giro ver a criançada. O pior foi o meu filho recusar vestir-se no fim de semana, dizendo que o desfile na escolinha chegou!!!!!!

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