Existem diversos tipos de choro, sei do que falo, embora por cá, em momentos de presunção excessiva, tenha dito que nem às lágrimas me rendo, como se isso possível fosse, chego a rir-me de mim mesma, confesso. Podem ser de vários tipos, espécies, enfim, não se chora sempre igual, da mesma maneira, com a mesma intensidade, como de resto, em qualquer manifestação de sentimento, que pode ser sempre mais ou menos intenso, de maior ou menor magnitude, é assim, apenas e só porque assim é.
Os choros fáceis, de quem a eles se entrega a toda a hora, têm diversas origens, sendo que podem ser de carácter apelativo, o que não é bom, ou, pior ainda, podem ser sinais de uma tristeza crónica e incontrolável, grave por demais para se poderem descurar, estes, entre outros significados, que podem existir. Dos que surgem pontualmente, também desconfio sempre, porque me revelam um mau estar de alguém que por norma os evita, e que por obra de algo concreto e penoso, dele não conseguiu escapar, foi o caso de hoje, vindo de uns olhos velhos e cansados, e pior ainda, sozinhos. Fica aqui um aparte que considero oportuno, e que constitui o facto, de eu não gostar de olhos sozinhos, não deixando porém de ressalvar, que olhos sozinhos são sozinhos de todo, sendo que existem aqueles que se acompanham um ao outro, nem necessitando de muito mais companhia, julgo que me faço entender. Não é o caso, o que também de resto, julgo nem encontrar muito na velhice, olhos desses, que se acompanham por si só, dado que a idade precisa, de mais olhos que a olhem de perto.
Ela casou cedo, e teve tudo a que tinha direito, disso se gaba, julgo que sem ter a real consciência, da dimensão atingida, pela raridade que constitui, essa realidade naqueles tempos. É bom que se ressalve tal facto, dado que outrora, todos sabemos, mulher era para servir e homem para ser servido, ponto final. Nada disso lhe aconteceu, que seu legítimo esposo tinha-lhe um amor como nem existe, nunca lhe faltou com sustento, calor e vaidade, que era senhora cuidada, a esse luxo se dava, que seu querido marido, disso fazia questão.
A única divergência sentida, embora daí nem surgisse guerra declarada, era a descendência, muito desejada por ele, nada desejada por ela, vá lá saber-se o porquê, que família sem filhos, era uma família vazia e depreciada. Nada disso porém a inquietava, pelo que muito mais a afligia, a possibilidade de conceber um ser à sua completa revelia, isso, isso sim, seria um desastre, sendo que o seu sexto sentido, sempre a mandava travar.
Assim sendo, e sempre que seu esposo resolvia dar cumprimento às suas funções conjugais, logo após o términus, a primeira coisa que fazia, sem lugar a abraços ou afagos pós coitais, era correr à retrete, a fim de executar todo o processo de irrigação vaginal, com vista a pôr cobro a qualquer resquício de substância procriadora, que por lá pudesse ficar. Seu esposo, chegou a tentar aquieta-la, mantê-la no calor do leito, sob o pretexto de a afagar, mas ela, sabida que era dos meandros da concepção, depressa lhe fugia dos braços, voltando apenas e só, depois de devidamente lavada e acautelada.
Valeram ao marido umas férias em casa da sogra, num local que nem era seu, onde nem lhe era bem possível o escape imediato, a fim de dar uso ao seu instrumento, precioso aliado, que lhe acudiu durante tanto tempo, pelo que engravidou, seis anos após o matrimónio, tendo entrado numa experiência indesejada, à qual, confessa, chegou a ganhar simpatia. Ainda assim, e mesmo após experimentar a maternidade, e dela ter chegado a gostar, esta não lhe aguçou a vontade da repetição, teve aquela e aquela só, e tal como previa, anos mais tarde, concluiu que nem aquela deveria ter tido, que ao abandono foi sujeita, sem dó nem piedade.
Fala-me de novo em sexto sentido. Fala-me do perdão que concedeu ao marido, por ter permitido que tal coisa lhe acontecesse, ele, que sabia de sua vontade em manter-se ela e ele, apenas e só. Diz-me ainda que o perdoou há muito, mais precisamente, logo após a sua morte. Foi nesse momento, em que ele lhe faltou, que por ela aguardou. Ela não veio. Mas o perdão já tinha sido dado, e por cá ficou.
Completou hoje 97 anos.
Quer isso dizer que essa senhora criou uma filha sem amor e contrariada...não admira que ela não venha...
ResponderEliminarToda a razão Antígona. Ainda assim, custam-me sempre estas lágrimas tardias...
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