quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Marés...


Nem por isso estou em maré austera.

Fontes



Nas ruas da calçada deste-me a mão, não fosse eu escorregar, que nem por isso me habituo à calçada Portuguesa, até porque, poderia bem ser ela a adaptar-se a mim, que a piso diariamente, e parecer-me-ia prudente aligeirar-se na minha passagem, ao invés de me tornar o caminho numa encruzilhada sem fim, num põe um pé, mas com cuidadinho.
Por entre os muros ainda existem fontes, daquelas de outrora com frases gravadas na pedra, de onde sai uma água claríssima e frequíssima, onde um aviso manda não beber, ao qual eu desobedeço, como sempre. Purezas sempre me fascinam, bem sei que de perigos iminentes, mas ainda assim insisto em desafiar, que é tal e qual como a maçã que como da árvore, tal e qual a azeda que colho do galho, tal e qual os teus olhos ao entardecer, que quase parecendo inofensivos serem, em nada o são.
Nascem flores nas janelas, se há coisa que eu gosto, são janelas enfeitadas de cores, eu, que nem me socorro muito delas, para a mim me embelezar. Talvez por isso, pela minha presença discreta e neutra, as flores me façam falta, ainda que dependuradas em janelas alheias, num contra balanço interno/externo, que em tanto me satisfaz.
Por vezes canso-me. De nada de especial, apenas e só da necessidade de tudo explicar, como se um ser assim, só porque assim é, em nada me chegasse. Uma canseira.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Relatividades...


Tenho um impulso estranho que me empurra para o chocolate. Já tentei resistir-lhe, tendo sido exactamente aí, que descobri que sou fraca. Ou isso, ou o chocolate é forte.
Gosto destas relatividades.

Minha Maria

Por muito que se negue, criamos ligações diferentes, já em tempos de escola assim era, que existiam professores capazes de melhor nos seduzir, e vice versa. Não que a empatia criada deva dar origem a diferentes tratos, isso sim, deplorável.
Maria é uma das que sempre me causou simpatia. Logo na sua vinda, sorria-me de sorriso rasgado, olhos pequenos mas vivaços, e tinha sempre algo de bom a dizer-me, que más palavras nem lhe saiam da boca, era pessoa por demais dócil para isso. O Alzheimer tomou-lhe conta da vida, que nestas andanças por vezes, doenças assaltam-nos o corpo, entranham-se fundo para não mais nos largarem, eu nem sequer gosto delas, e isto, quer sejam de carácter físico ou mental, que ambas nos atingem de tal maneira, que nos deixam muitas vezes prostrados, numa inércia sucumbida ao extremo de nada se poder fazer, uma loucura diria. Nestas de carácter mental, a loucura assume-se no seu esplendor logo à partida, que as nossas entranhas baralham-se, perdemos as cores, as alegrias e as tristezas, e até quem gosta de nós, que pode estar longe, perto, ou o que for, que a nossa mente em nada se importa. A não ser, isso sim, com o mundo interno que se construiu e pelo qual se rege, como se mais nada houvesse, que merecesse atenção.
E eis que a tal, do Alzheimer, me leva Maria, que nuns rasgos de lucidez ainda me sorri feliz, para no minuto seguinte me desdenhar a preceito, com palavras dignas de um qualquer cangalheiro, que pelo azedume da obra que pratica todos os dias, se perdoa que as diga. Também eu lhas perdoei, eu, que nem as merecia, mas Maria no seu juízo nem nunca as diria, malvada coisa que dela se apoderou. E ainda assim gosto-a para sempre, que Maria é Maria, embora nem seja isso que agora se me apresenta, no discurso frágil e falso, quase parecendo que algum demónio sem poiso se apoderou da sua alma, e se vai destilando aos poucochinhos, agora em mim, depois na filha, depois na neta. Nem lhe damos cabo, bem sei, que nestas coisas instala-se para sempre.
Maria vai embora hoje para outra casa que lhe zele os dias. Por motivos financeiros, que os tempos são de crise, e nem sequer condeno, que de resto, nem tenho por hábito condenar opções que não as minhas. Telinta-me porém o peito, porque ela vai. Não questiono competências, que as acredito, mas é que tenho-lhe amor. Daquele a sério, construído antes de algo medonho lhe ocupar a alma, e a deixar amarga e nada simpática.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Fragrâncias


Hoje no Centro uma velha cheirava a Germana. Ainda julguei ser impressão do meu nariz combalido, por demais reles nas tarefas a que se presta, que se entope e indromina de substâncias que o atrapalham na sua função, e me deixam a mim, dona zelosa e extremosa, isenta de tão importante sentido, que ao invés de cinco, fico com quatro. Ainda assim, tal e qual como um cãozinho que se esforça e levanta a cabeça para distinguir melhor o cheiro da envolta, levantei-o bem levantado e respirei fundo, não pense ele que assim me deixa ao abandono quando algo quero reconhecer, ainda que o algo, nem seja bom, era o caso.
Germana é uma velha Francesa, que de resto, nem me deixa boas memórias, que trazia consigo de França frascos de litro de uma água de colónia pechonhenta, na qual se banhava todos os dias, imediatamente antes de sair de casa. Se o azar me apanhasse, encontrava-a no caminho ou em qualquer outro sítio, pelo que tinha de lhe dar quatro beijos, ou melhor, receber, que ela de mim levava apenas o ar de enjoo, decorrente de tal obrigação. Desde aí que tenho aversão a quatro beijos de seguida, dois chegam muito bem, para não dizer um, tão na moda, muito mais rápido e igualmente eficaz. Aliás, a não ser em casos específicos de proximidade comprovada, a minha mão é a primeira a estender-se, que os cumprimentos próximos nem sequer me agradam, ainda que constituam um assumido hábito cultural Português. Quem sabe, se a culpa desta minha aversão ao beijo cerimonioso, nem vem da colónia da Dona Germana.
A velha encontrava-se sentada bem a meu lado, usava um cabelo meio curto e meio comprido, que sacudia velozmente, a fim de presentear o meu nariz com tão hedionda fragrância, que eu julguei até já nem existir. Afinal existe. Por esta hora, Germana, em terras de França, ainda se deverá passear inundada em colónia floral. E eu, ainda que ao longe, sinto-lhe o cheiro.

Apontamentos...

Nove da manhã, passagem no Centro de Saúde. A mão tem de ser dada à palmatória, que a evolução faz-se notar a olho nu, numa prontidão de atendimento por parte da Equipa Clínica, que em nada estou habituada a isso. Pela negativa, a antipatia das funcionárias, que deixaram alguém carente de ajuda por dificuldades reais, completamente perdido, a deambular de guichet em guichet. Bem sei que estão congeladas, mas eu também estou há algum tempo, e nem por isso deixo de ser humana.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Injustiças

Às vezes, numa amalgama interna estúpida de tão intensa, ainda consigo intrigar-me com as injustiças do Mundo. Como se nem nascêssemos à partida todos diferentes, como se logo ali, no primeiro rebento do choro, que pode vir de nós e da nossa força ou de alguma dor infligida por algum agente externo que muito nos quer ver a berrar, ou não fôramos nós perecer logo à nascença, não fossemos já todos diferentes, embora se diga que somos todos iguais.
Nem sequer muito me debruço em crises existenciais sem eira nem beira, que é o caso, pela ausência de resposta, nem sequer sobre qual o ser supremo que se incumbe destas amargas divisões, de se poder nascer vivo ou quase morto, ou de se poder viver com alma e com vida, ou num arrastar de corpo mortiço e fraco, com pouco a perder por já nada se ter. Ainda assim, despoletado por alguma leitura, injustiça suprema ou outra que me desperte para a vida em momentos de alguma acalmia interna, entro em desassossego, e acabo por me questionar a mim mesma, nem sei bem o porquê, mas até arriscaria a dizer que o faço, porque em nenhum outro lado encontro resposta, e mais vale procurar em mim, prosseguindo porém na ignorância. Ainda que me canse na busca, que rebusque e procure com o afinco de uma curiosa inveterada, as conclusões a que chego em nada me satisfazem que também peco por isso, poderia concluir que é assim porque assim é, nem exigir mais explicação ou dogma, mas ao invés fico intrigada.
Ainda ontem, mesmo a propósito, sou abordada por duas Testemunhas de Jeová, que me tentam prender na beira delas para me explicar o mal e o bem do mundo, ao que eu lhes sorrio, imediatamente antes de seguir o meu caminho. Até me pareceria bem que a religião me chegasse, que a fé e a doutrina de Cristo me explicassem o porquê de uns terem sorte e outros azar, o porquê de uns serem saudáveis e outros enfermos, o porquê de uns terem anos e outros terem minutos, para além de centenas de milhares de outros pormenores que nos moldam a existência. Podem nem crer, mas até já tentei o caminho, numa infrutífera esperança de compreensão que a nada me levou, pois em nada me simplifico na vida, que seria tão mais fácil explicar tudo à luz dos mitos. Posto isto prossigo, na busca de algumas explicações que me fazem falta, a mim, uma sôfrega na existência. Mas existem caminhos sem fim, temo dizer, e eu às vezes perco-me lá.

Do sapo e de perigos maiores...

Ligou-me, que me confundiu o aniversário, nem sei bem se a perdoo, que prefiro que se esqueçam do que me ponham mais velha antes do tempo, uma afronta por assim dizer. Ainda assim rimos, e foi bom ouvi-la que recordamos tempos de infância, dado nada mais termos a recordar juntas, que cada uma seguiu um caminho, pouco partilhado, nada comum, mas ainda assim de proximidade suficiente para a conversa surgir meia dúzia de vezes no ano. Quando o telefone toca e é ela, já sei que invariavelmente deambulamos em tempos de outrora, tardes passadas no campo, dias de escola e assim. Hoje falamos do episódio do sapo, um terrível batráquio que nos produzia um efeito de medo/atracção fenomenal, que ainda hoje me perco com estas dicotomias, que continuam a exercer algum poder na minha pessoa, por incrível que pareça. O bicho vivia dentro de um poço bem na beira da minha casa, era de um verde alface horrível e possuía uns olhos amarelados enormes, que quando conseguíamos ver, nos olhavam com uma calma que em nada nos sossegava. Nunca bem percebi o que nos levava aquele desaire, de rondar o poço horas a fio com o objectivo de ver um sapo, do qual fugíamos num ápice, mal lhe púnhamos a vista em cima, fenómeno que se estendia até, a outras realidades da vida animal. O momento de êxtase dava-nos uma tarde tranquila, ou às vezes nem isso, que mal esquecíamos o susto provocado pelo enorme bicho de olhos amarelos, voltávamos a rondar o poço, numa busca incessante e posterior fuga, mal o pobre surgia aos nossos olhos. Nem os gritos da minha avó, que nem por isso nos queria abeiradas do poço, nos surtia efeito duradoiro, que mal a dita se recolhia para as lidas da costura, era certo e sabido que nós as duas nos voltavamos a chegar ao perigo, que nem era o sapo, diga-se, embora isso nos parecesse, numa insensatez própria de crianças, que seria até de esperar, ter passado com a idade. Mas chamemos-lhe apenas atenuação.

domingo, 26 de setembro de 2010

Dos sonos

O sono é uma excelente terapia, assim eu a consiga. Nem era muito pessoa de me dar às insónias, terríveis açambarcadoras do bem estar, que nos levam a noite para onde entendem, à nossa completa revelia, nem sequer simpatizo muito com estes poderes assim. Dantes, era muito mais imune a ela, que podia até insurgir-se, tentar penetrar-me e levar-me o sossego, mas eu era muito mais poderosa e dava-lhe sumiço para longe, e não raras vezes até me gabava disso, feliz da vida, que adormecia onde queria, como queria, e o tempo que queria. Um dos sonos garantidos era feito no expresso, no trajecto até Lisboa em tempos de estudante, que durava cerca de uma hora e detinha sempre a fantástica serventia de me pôr a dormir como um bebé, de cabeça encostada ao vidro, num relaxe total, um must. Às segundas de manhã, o trânsito infernal alongava a ida, o que fazia com que o sono fosse ainda maior e mais restabelecedor, dentro do autocarro, enquanto a segunda circular se esvaia no caos, totalmente externo à minha pessoa. Hoje, ironicamente, o sossego da minha cama, o calor da minha almofada, e o cansaço que me assola, não chegam para que o sono se instale. Deambulo um pouco, que nem é preciso muito, e rápido tiro as minhas conclusões sobre a sua escassez. A isso ajudou-me ainda a lembrança de um episódio antigo, de uma amiga que adormeceu em plena passagem de ano, enquanto tudo à volta dançava o apita o comboio. Era à volta dela, não era dentro.

sábado, 25 de setembro de 2010

Ainda do género, ou de como eles fazem a vida mais fácil...


Hoje de tarde, num café de minutos, dou conta de um torneio de matraquilhos. Vários homens em amena cavaqueira, encostados ao balcão ou ao jogo animam-se para o dia, ou quem sabe para o fim de semana. Percebo pelos olhos, que nada ali paira a não ser a cerveja, as bolas, e as setas do jogo que alternam quando perdem a rodada. Na minha mesa, Mulheres. O ar de enfado é comum a quase todas, exceptuando a grávida, que está em estado de graça, e pouco mais. Têm de despachar-se que o super mercado e as compras de fim de semana esperam por duas. Outra tem de ir comprar produtos de higiene feminina. A outra, que era eu, saiu e comprou sapatos, que precisava de se distrair. Nem sei se já vos disse que amo Oxford's.

Tardes assim

Gosto de tardes frias de Outono. Bem sei que o verão por aí deixa saudades, que o morno das noites é um prazer para muitos, e a praia, poiso habitual dos veraneantes, fica em repouso, de ora em diante. Nem por isso lhe sinto a falta, que sou do frio e ele, sempre me chama. Talvez por nele ter vindo ao mundo, que a ele me fiz, num conforto que encontro nos chás, nas torradas com manteiga e mel, nos bolos de noz, e nas mantas cá de casa. Só me cansa já lá para Maio, e ainda assim, não raras vezes, prolongava-o um pouco mais. Bem vindo.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Tentativas

Saio de casa, entro no carro e encosto-me a ti sem sequer dever fazê-lo, mas nem o evito. Poderia ter tentado, em vão, bem sei que seria, mas valeria pela tentativa, que neste mundo por vezes, conta é a intenção. Uma intenção que temos ou não de seguir para um lado ou para o outro, que ainda que nem consigamos seguir o lado certo, ou menos errado, ou assim, que lados certos até julgo nem haverem muitos, esforçamos-nos, e ficamos com aquela sensação de tentativa, infrutífera, é certo, mas que quase nos desculpa perante a incapacidade demonstrada. Uma farsa diria eu, da qual às vezes, também necessito.

Colheitas


Olho para eles, os vários que tenho, que também são meus, digam o que quiserem, mesmo que seja, quem de direito. São meus porque lhes acudo as necessidades, porque lhes zelo o estado e lhes afago a alma, porque os quero bem, sempre o bem. E encontro hoje quem fala de violência, e sei ser verdade, só posso saber, que aquilo que sinto é meu, muito meu, e bem perto, longe ou onde for, que não importa nada, há quem assim não sinta, numa profunda manifestação de ingratidão, se é que existe nome que baptize tamanha atrocidade. Sente sim que são um fardo, que lhes ocupa o tempo mal ocupado e lhes tira qualidade de vida, que ao invés de se ficar sossegado, tem-se e dever da assistência, coisa terrível essa, que surge quando já ninguém se lembra, do bem que lhe fizeram em tempos, que são idos, bem sei, porque nós somos assim, esquecemos-nos com facilidade. Nem bem percebo quem assim age, que não deve lembrar-se que um dia chegará a velho, se sorte tiver para isso, e que poderá também encontrar o ódio, no lugar de quem muito ama.
São as trocas e baldrocas da vida, e a terrível verdade de que nem sempre se colhe o que se semeou.

De quando ser um bocadinho mais débil, também pode ser bom...

"Ela era “exactamente o que eu procurava, uma porca que se tinha casado por dinheiro e a quem eu podia fazer a cabeça facilmente”, escreveu o homem antes de se suicidar na prisão.

A condenação de Teresa Lewis provocou uma intensa mobilização na qual participaram grupos ligados à saúde mental e representantes da União Europeia. Para além do seu baixo coeficiente de inteligência, dizem os defensores de que lhe fosse poupada a vida, Lewis sofria de uma perturbação da personalidade que a tornava dependente."

No público online de hoje

Apesar do drama de alguns crimes, violentos ao ponto de quase se julgar ser melhor matar, acabar com o mal pela raiz, exterminar quem pratica, retirar vidas assim, parece-me a mim um assunto por demais delicado, para alguém decidir com base em leis, juízos de valor, e neste caso, uma avaliação de QI, que a ser dois pontos percentuais mais baixa, a teria deixado viva. Tinha 72, a ter 70, seria considerada portadora de deficiência mental, ou seja, inimputável, e consequentemente poupada à morte. Tendo ainda em conta que as avaliações de Quocientes de Inteligência, não nos dão informações absolutas, e cem porcento fidedignas, o assunto assume maior delicadeza. Juntamos ainda o facto, de Teresa Lewis ser portadora de uma perturbação de personalidade que a tornava dependente, o que acentua a sua estrutura de fragilidade, facilmente manipulável.

Nem me cabe a mim analisar procedimentos Jurídicos, aqui ou em qualquer outro sítio, que a isso me recuso, que de resto, nem possuo os instrumentos necessários para tal procedimento, e como tal, todo e qualquer juízo por mim emitido, seria débil.
Tenho porém o direito de me insurgir contra penas que atentam vidas que poderão estar inocentes, ou pouco culpadas ou o que se possa chamar, e que, mais uma vez refiro, reflectem pareceres de sociedades isoladas, que o crime, a ser praticado aqui, não teria tão dramática consequência, que se assume, a meu ver, como o maior manifestação do poder do Homem sobre outrem, sem direito a isso, porque lhe tira a vida, como se a nós, comuns mortais, nos fosse cabido julgar um bem tão precioso. Esforço-me, mas nem assim concebo.
E se a mim me disserem que faria eu, em caso de crime próximo, que me perturbasse, e algo de extrema importância me levasse, respondo o mesmo de sempre. A justiça na sociedade, deve controlar os perigos, e prevenir o futuro. Se esse direito me fosse garantido, se tal pessoa não mais pudesse voltar a magoar, para mim, chegaria, ou pelo menos assim o julgo, que não gosto de expressões demasiados fortes, quando nem conheço os sentimentos.
Bem sei que outros problemas se levantam, ligados a prisões perpétuas, custos ao estado, apoio aos presidiários, enfim, que não os debato agora, mas tenho-os em consciência. Mas ainda que surjam estas problemáticas, julgo ser prudente encararmos, que a sociedade deverá ser suficientemente capaz de os gerir, procurar soluções e avançar, sem precisar de matar. É que não gosto mesmo nada desta palavra, é um facto.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Janelas


Nem por isso gosto de ver gente debruçada em janelas. Não tem propriamente a ver com o meu medo de alturas, bem aceso, por sinal, mas neste campo, totalmente incauto. O que me traz este sentimento, é o que reporta, que nem me refiro a uma paragem tranquila, de quem por vezes vê quem passa, ou apanha um ar matutino, mas a uma permanência exagerada, de quem se encosta a ela, por pouco mais ter que fazer. Lembro-me da minha querida Elisa, que sempre esteve à janela, desde que o seu marido foi morto a tiro, por se encontrar na cama errada, com a mulher errada, na hora errada. Tendo sido apanhado em pleno deleite pelo Homem traído, este, em nada o perdoou, livrando-se de uma vez do problema que lhe tinha entrado em casa, no quarto e na cama, fraca cautela de quem assim cometeu o pecado, que a descontracção nestas coisas, por vezes exagera.
Elisa ficou assim sozinha, que antes, o marido, embora passeasse por outras bandas, casas ou camas, nas horas da janta estava por casa, de noite, por tarde que fosse, também, e a ocupação do zelo que lhe devia, levavam-lhe o tempo, e nem ia à janela, que embora sem frequência usual, estava enfeitada como nenhuma outra, carregadinha de Sardinheiras em flor, de tons rosa e lilás, num bom gosto irrepreensível. Quem lhe conhece a história e acredita em sentidos, sextos ou assim, até pode julgar que o trato que lhe dava era já uma premonição, pela horas futuras que passariam juntas, mas eu, nem sou bem crente nessas coisas.
Logo após a perca, Elisa afogou as mágoas em comida, duplicou de tamanho e desinteressou-se da vida, que esta até a tinha traído, juntamente com quase tudo o que a circundava, porque haveria ela agora, de se esforçar por ela? Nem os seus dois filhos gémeos lhe animavam o espírito, e onde estava bem, ou menos mal, ou assim, fosse manhã, tarde ou noite, era na janela florida, companheira dos dias, de onde acenava a quem passasse, com um sorriso fraco e mortiço. As flores, numa contradição tamanha, ou ingratidão, julgo até poder dizer, por quem sempre as cuidou bem, em vez de ganharem vida na presença da dona, murcharam a pouco e pouco. Ou até talvez tenha sido, a tristeza entranhada nos dias envoltos, que se lhe tenha pegado e levado à moléstia, que as consumiu e levou, tornando-as assim inocentes. Elisa não teve mais alegrias, que justificassem de novo o sorriso, o regresso à figura maneirinha, e o retiro da moldura onde se enfiou para sempre.
Já partiu há uns anos, na sequência de uma paragem de coração, que o pobre coitado, deve ter cansado a janela, as flores murchas e os acenos ao longe. E também ele murchou, sem mais nada ter por que bater.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Desabafos...

Quando brado a sete ventos que na próxima serei Homem, quero por exemplo dizer, que não irei estar às onze da noite, aos saltos na sala, enquanto a malvada da Silk Épil, me fustiga ao infinito. Isso, e outras, que nem interessam agora.

Revista Maria

Bem sei que me circundo em desgraça, faz parte de mim, que pode ainda vir longe, a minha mãe costuma dizer em Lisboa, mas eu até julgo que para mais, e já eu a cheiro e catrapisco, como se mais nada houvesse para me alimentar do que o mal alheio, que destilo com cuidado, amor e dedicação. Pois que se me abeira, de Maria na mão, que nem tenho nada contra, que se entenda, sendo uma revista popular, idêntica à antiga Crónica, nem sei se se lembram, e que serve de distracção, a tanta gente que dela necessita, só isso justifica, que há tanto se mantenha. Trabalha por turnos, intercalados com outra, sendo que pode ser das sete às duas, ou das duas às nove, ao fim de semana trabalha um dos dias das oito às oito, no outro folga. Ou melhor, folgar, é bem que se diga, nem folga nunca, sai de um local de trabalho e entra no outro, que pode ser a casa de alguma Senhora que a contrata à hora para lhe passar a ferro, arrumos de casa, e outros que tais, pode ser a cozinha, onde faz pastéis e rissóis para venda, ou pode ser o que surja, que trabalho, a ser sério, todo lhe serve. Os filhos estão em guarda conjunta, partilhada com o ex marido, um maneta enorme e desengonçado, que numa mão, reúne força de bisonte, palavras dela, por demais sabedora do peso, que tanto lhe caiu em cima, ao ponto de ter de fugir. O que lhe amarga a existência são os pequenos, que ora cá, orá lá, alternam os dias entre os carinhos da mãe, que por cansados que sejam, são doces demais, e a aspereza do pai, que por tempo que lhe sobre, nunca lhe soube dar o uso devido, por certo, também não saberá agora. Já pensou assumir a guarda por inteiro, coisa que em muito sossegava o seu coração de mãe, que logo desperta e sente, numa aflição iluminadora, que o pão para a boca de todos nem iria chegar, que já assim sabe Deus, quanto mais, que tudo se esvai em rendas, escolas, saúde e afins. Enquanto procuro o que lhe diga, que às vezes me faltam palavras, nem sei se já o tinha dito por cá, penso para mim que as Novas Oportunidades ou outros caminhos, deveriam chegar mais perto de gente assim, de percursos difíceis, histórias ofuscadas e encruzilhadas tamanhas, mas de espírito grande, que andam em frente, mesmo que a vida as empurre para trás. Assim evoluíam mais pessoas, assim se louvaria o projecto, assim se honraria o nome, oportunidade, se assim fosse, que depende de tanto. Acabo a dizê-lo e promete-me pensar, que poderia se bom para ela, como encaixar algo mais nas vinte e quatro horas dos dias, que lhes fogem a bom fugir a uma velocidade cruzeiro, que nem bem percebe como trava-las, quanto mais prolonga-las, e ali me deixa, com a amarga sensação de impotência, que às vezes me assola, e que tanto desdenho.
Vejo-a ir, ela e a Revista Maria, que a vai distraindo, no País de todos nós.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Moinhos, dos vários que por cá há, um grande bem hajam.


Ao ver a Oficina de Cabelos, julgo ser este o nome, no 30 Minutos do Canal Um, acordei em tempos de Cova da Moura, Moinho da Juventude, e outras Associações, quase minhas. No meio de sonhos estranhos tenta-se caminhar, se é que lhe podemos chamar sonhos, que sonhos são projecções, e quer queiram, quer não queiram, existem cabeças que projectam pouco, para não dizer que não projectam nada. Não que a competência nem lá esteja, que competências, todos temos, uns mais desenvolvidas, outros menos, mas a génese sempre existe. Apenas e só não encontra encaixe, tal e qual Pedro Strech descreve num dos seus grande livros, ao qual chamou e bem, Crescer Vazio. Nem será fácil crescer vazio, já crescer cheio de tudo, afectos, sentimentos e emoções, tanto tem que se lhe diga, quanto mais crescer sem nada disso, ou seja, vazio de coisas boas, estado não raras vezes aguçado e espicaçado de más sensações, incutidas por tratos violentos e famílias perturbadas, que chegam a inundar o terrível espaço do nada, de sentimentos sofridos, experiências nefastas, e uma panóplia de atrocidades, que atafulham as mentes frágeis e itinerantes, que nem encontram caminhos, nem encontram vidas, nem encontram nada.
Não me interessa muito quem diz que não vale a pena o esforço, quem acha que quem se esvazia não mais se enche, ou ainda quem diga que para encher um ou dois, nem sequer compensa o empenho. Ou melhor, nem me interessa nada, que quem assim fala, nem sabe o que diz, que se soubesse, ganharia um sorriso, daqueles, de orelha a orelha, por cada percurso construído, por cada obstáculo vencido, por cada vida encaminhada. Porque há por ai quem não saiba, mas seguir caminho inverso nem sequer é fácil, não é natural, exige esforço, e quem nasce no sítio errado, tem a vida dificultada. Há no entanto que crer. E crer, é sobretudo sentir, que um nascimento no sítio errado, é apenas e só um nascimento no sítio errado, e que com as devidas adaptações, esforços e uniões, a possibilidade de inverter rumos existe, por impossível que pareça, por distante que possa estar.
Para isso, é necessário o empenho efectivo deste tipo de Associações, todas elas sem fins lucrativos, que muito se dedicam, e que tantas vidas sacam, ao roubo, à droga e à marginalidade, quando já nada parece resultar, quando a vida perde o sentido, quando o estado oco se assume de vez. Porque são elas que entram no meio, nos sítios onde todos ou quase temos medo de entrar, porque ali existe gente vazia, que nem bem se sabe o que consegue fazer, e o melhor é deixa-las estar.
E então elas escolhem encher.

E pois que sou do campo, nem posso negar...

Era final de Agosto, inicio de Setembro, e eu, costumava apanhar fruta, que ia da maçã, à pêra e à uva, dependia do ano em questão e das férias da família, umas vezes mais precoces do que outras. Pela manhã bem cedo, apanhava a carrinha de caixa aberta coberta de lona escura, que recolhia as mulheres das aldeias, que se prestavam ao trabalho do campo, por dele necessitarem, que passatempo, nem se podia chamar aquilo. Sendo das mais novas trabalhadeiras, era portadora de um escadote de ferro pesado, de apenas três pernas, que enganchava na árvore, e assim passava o dia. No coruto das árvores, eu e outras que tais, subindo e descendo um balde de asas, enchido com cuidado ou não fora a fruta magoar, que se depositava na caixa, enquanto as velhas gordas e bizarras, de lenço na cabeça e bata de flores, ficavam no chão, e cantavam cantigas de outrora, misturadas com palavreado desavergonhado, que quando juntas, nem há quem as cale. Intercalava o trabalho com dentadas deliciosas nas maçãs vermelhas, sempre as minhas favoritas, ou não fossem elas pecado. Limpava-as na camisola encardida, com sorte, levavam uma réstia de água, que ainda hoje, poucas coisas me sabem melhor, do que fruta acabada de colher, lavada ou não, nem me importa muito. No final do dia, tínhamos autorização do capataz, a apanhar a que estivesse caída, e eu, abrigava-as no regaço, e levava-as para casa, onde a minha avó me aguardava de coração nas mãos, e com ira na voz. Nem era para aquilo que me tinham criado, a sua menina, que ao invés de descansar nas férias, andava perdida nos campos a trabalhar de sol a sol, de roupa suja, pernas arranhadas e ar trigueiro, disparate tamanho, que em nada ela aprovava. Nem as maças que trazia comigo, lhe davam o bom gosto à boca, que pareciam amargá-la cada vez mais a cada dia que passava, por muito que eu lhe explicasse, que o dinheiro ganho em muito me valia, que Lisboa era cidade cara, e que eu gostava de guardar algum, para o que me apetecesse, ao invés de mendigar a quem já tanto me dava, mas nada a sossegava, a não ser o final do mês e o meu regresso.
Hoje, não me sinto particularmente afecta às lidas da terra, embora delas me circunde, que o meio, assim obriga. Mas as saudades, aquelas, que se pegam ao bom que por nós passou, surgem de quando em vez, ainda para mais agora, que a uva impera. Frutas, nem são negócio da família, mas tenho para mim, que este ano, não me esgueiro à azeitona.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Verdades...

Entro e o bafo quente inunda-me o rosto, já nem me lembrava disto. Fico por lá enquanto o pequeno nada, que o dia era de inicio, e a retaguarda dos meus olhos fazia-lhe falta, dizia eu. No tempo que disponho para nada fazer, acabo a pensar nisto mesmo. Agimos, fazemos, percorremos caminhos e damos-lhe nomes, numa necessidade tamanha de justificar acções com isto e aquilo, quando as mesmas, muitas das vezes, retratam apenas necessidades nossas. Devido a isto, reformulo o que disse. Fico por lá enquanto o pequeno nada, que o dia era de início, e a retaguarda dos olhos dele, fazia-me falta.

Handicaps

Há bem quem diga, que o conhecimento de certas e determinadas realidades, só mesmo vivendo-as lá dentro, na experiência em si, que os relatos ouvidos, por sofridos que sejam, em nada nos chegam. Fechar os olhos para imaginar um mundo sem luz, mais não faz, que dar-nos uma ligeira sensação de fraqueza, uns tremelicos descoordenados e uma vontade de nos agarrarmos a algo que nos leve a bom porto, sabendo, ainda assim, que basta abrir os olhos, para tudo ser claro outra vez. Assim se passa com os outros sentidos, ou com qualquer outro handicap que nos sujeitemos testar, como um tapar de ouvidos, ou um passeio em cadeira de rodas, que os mais ousados poderão dar. No final da experiência, ficamos com aquela sensação amarga mas passageira, que chega até a tocar o alívio, do já sei o que é mas já ficou para trás. Temos uma capacidade limitada, é um facto, e a absorção de experiências alheias não nos atingem no fundo, até porque, as nossas defesas num ápice se acendem, a fim de nos protegeram de tão terrível sensação, que de resto, quem a tem mesmo a sério, levou tempo a lidar com ela, aprendeu, cresceu, evoluiu ali, e nós, nós disso, nada sabemos. Não me parece a mim, estarmos perante processos de egoísmo, ou qualquer outro traço de carácter menos nobre. É assim, porque assim é, porque no mundo cada realidade é cada realidade, e cada ser, enquanto tal, adapta-se à sua. Peca-se porém, num cariz mais abrangente, social e político, na adequação a quem precisa, e quando me apercebo da falta de controlo existente às infra-estruturas públicas, muitas ainda sem condições de acessibilidade, fico perplexa, porque me julgo num Pais de oportunidades, e por vezes, concluo que não. Fico perplexa ainda, porque trabalhando numa entidade privada, em muito reconheço os esforços por nós exercidos, a fim de respeitar leis, que no incumprimento das mesmas, as coimas surgem sem dó nem piedade, e surgem muito bem, diga-se. Pena, que não surjam para todos. Pena que aqui, o Senhor da cadeira de rodas possa entrar, circular, chegar a todos os pontos, mas se quiser ir à Junta de Freguesia da área de residência, não vai conseguir fazê-lo. E apesar de julgar não ser egoísmo, a protecção a que nos sujeitamos, perante situações adversas, talvez nem seja assim tão branda, com o fecho selectivo dos olhos das gentes.

domingo, 19 de setembro de 2010

Por cá...


E por cá vindima-se. Perto das bermas da estrada, onde as videiras se seguem arrumadas, carregadinhas de branco ou de roxo, vejo os lenços atados nas cabeças, os cestos erguidos ao alto, e as lidas tamanhas de quem nos faz chegar o vinho à mesa. Julgo que na maioria das vezes, quando o degustamos, nem temos bem presente o caminho, assim acontece com outras delicias, como o queijo, o pão, os enchidos. São ciências que nos passam ao lado, num Pais cheio de requintes de processo, onde o que fazemos, fazemos bem. E que assim fizéssemos tudo.

A enfermeira e os dias claros

Gostaria de ter sido médico, por gosto e vocação. Para além disso, sempre foi um Senhor enfermo, que enfermidades foi coisa que nunca lhe faltou, assim não lhe faltasse dinheiro e outros prazeres da vida, mas esses, esses sempre foram diminutos, que o que teve mais foi maçadas. A classe médica, sempre esteve portanto, presente em sua vida, que os cuidados que lhe prestava eram do mais rico valor, a não serem eles, nem sei que teria sido da sua existência, e há que louvá-los. Não lhe foi possível estudar, que Rosalina sua mãe, quase nem posses tinha para o sustento, quanto mais para lhe pagar estudos de medicina na capital do País, longe de casa, e sem família por perto, que lhe garantisse a dormida. Foi-lhe para lá um irmão, mas por essa época, já tinha desposado a mulher, e rumar aos estudos já nem fazia parte dos planos. Ainda assim rodeou-se de enciclopédias médicas, que o ajudavam a analisar a língua esbranquiçada, o branco do olho avermelhado, as pulsações aceleradas e a temperatura quente ou fria, que sempre poderia ser sinal importante do doença iminente. De tanto ler, foi escolhido pela aldeia para ministrar as injecções, que só ele e mais ninguém sabia dar. A seringa era de vidro, e fervia a bom ferver no fogão a gás, dentro de um recipiente próprio para o efeito, a fim de se fazer a devida desinfecção, método fraco, mas em uso na época. Fosse a que horas fosse, em caso de solicitação, lá ia, em socorro de quem uma dor tivesse, que necessitasse de intervenção imediata, das suas prendadas mãos.
Hoje está velho e cansado, e arranjou uma enfermeira para lhe cuidar as unhas dos pés, só podia, que sempre gostou de tratos. Tenho para mim que a querida Senhora, um amor, segundo o próprio, lhe trará anos de vida, lhe animará a negrura dos dias, e lhe amenizará as dores. Quem nos cuida, e já por cá o disse, deveria sempre ser doce, num contrabalanço feito à medida, onde os sorrisos se fundissem com a dor, dando aos dias um tom mais claro. A propósito, nem sei se já leram o Morrie, aquele que fala às terças, e fala muito bem. Ele explica isto melhor do que eu, e há sempre que dar o mérito, a quem o merece.

Agridoce


Azedas são umas bagas brancas, ou pelo menos assim lhe chamavam, que eu apanhava em pequena no sítio da Nazaré, pela mão da minha avó. Eram de um sabor agridoce, adocicado no inicio e azedo no fim, e pensei já nem existirem. Existem, julgo que só por ali e pouco mais, que nunca sequer as vi em qualquer outro lugar.
No horizonte, via-se o mar de duas cores, que nem sabe se é azul se é verde, que gosta das duas o indeciso, e sendo assim mistura-se, nuns salpicos deliciosos, conjugados de forma desalinhada, amo quando assim o encontro, o que nem sempre acontece. Nas ondas descoordenadas as pranchas de surf distinguem-se perdidas na espuma branca, com negros vultos por cima, que se ginasticam ao limite, a fim de permanecerem em pé, tamanha afronta ao mar, que por isso, pouco os deixou. Na praia, pescadores sentados com a cana espetada na areia, aguardam com uma paciência infinita que o peixe morda, coisa que nem me pareceu enquanto estive, e estive muito. Também, julgo que quem assim pesca, nem bem quer pescar, quer sim o sossego da cana sozinha, que nem mexe, nem abana, apenas e só permanece. Ao cimo da praia estive eu, sentada na quinta, numas palhotas ressequidas pelo sal, que se partiam com um simples toque desajeitado, e eu às vezes sou um pouco assim, nem sei bem porquê. Julgo que encaixa com o estado interno, que quando também ele se confunde, atafulha o externo, que nem sabe para onde se vire e assim se comporta. Podia ao menos a graciosidade não me abandonar nunca, sentir-me-ia por certo, muito mais segura.
Ainda que a medo, ousei comer a baga azeda, que me seduzia em silêncio logo ali ao lado. Poderiam até não ser elas, que por vezes, os nossos olhos confundem, e ser algum fruto perigoso, que logo ali me atacasse, a mim, fraco ser, ainda por cima desajeitado e inseguro. Mas as memórias de infância, já muito li sobre isso, são as que menos nos atraiçoam, e mantêm-se genuínas vida fora, engraçada esta concordância, que no todo também se verifica. Meti-a na boca sem sequer a lavar, e senti de imediato aquele sabor tão familiar como distante, que me pôs a sorrir, numa quase impossibilidade de ser mas que foi. Senti a baga azeda, que ao mesmo tempo me adocicou, lembrei-me de Dona Albertina, também ela agridoce, como esquece-la, de resto, e fiquei ali, entre o o doce e o amargo, como se a minha vida, nem fosse sempre assim.

sábado, 18 de setembro de 2010

Pequenos almoços, doces e tempos


Existem de vários tipo, épocas houve, em que nem lhe dei importância. As primeiras horas da manhã, eram para o duche, o espelho, o armário, e o pequeno almoço, era deixado para a última, chegava a nem acontecer, ou então acontecia sob a forma de um pacote de leite achocolatado, bebido aos golos gigantes, enquanto descia a escada a correr, já no limiar do toque de entrada. Hoje, o meu pequeno almoço é quase hora sagrada, e não dispenso uns dez minutos, no mínimo, em que abro os olhos bem abertos, me sento e planeio o dia. Não como sempre o mesmo, que nem me importa bem isso, que como o que me apetece na hora. Importa-me o tempo que lhe dedico. Às vezes, o tempo só por si, que se dedica a isto ou aquilo, também é válido. Perdemos-nos a preenche-lo, com as tais utilidades tamanhas, e quase esquecemos que uns minutos de tempo inútil, salpicados do que nos apetecer, que pode até ser nada, nos pode valer de muito. Perco (?) tempo todos os dias com os azulejos da minha cozinha. Sabê-los-ei quase de cor, ou então não, que os olho sem os ver. Hoje comi doce de tomate com pão. Daquele a sério com pau de canela. O café estava forte, o sol entrou e chegou-me, oxalá me aqueça. Os azulejos, não me lembro agora como são.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Agostinho, e de como os Pais sempre deveriam ir primeiro...

Bem dizem por aí que quem nos guarda não dorme, eu quase que chego a duvidar, quando a dor que me ataca me parece tamanha. Eis que logo trata de me chamar à razão, de me fazer crer que o que sinto, por forte que seja, nem por isso é insuportável, como é insuportável, por exemplo, a dor do Senhor Agostinho. Hoje bem cedo encontro-o num choro desenfreado, que faz seis meses que perdeu a filha, de uma morte sofrida, não foi cá uma morte qualquer. De resto, e já por cá o disse, mortes de filhos assistidas por pais são sempre mortes assim, que nem deve existir dor maior do que essa, que nos possa atravessar o caminho. Entre soluços tamanhos transmite-me a sua dor, se é que ela é transmissível, julgo até que não, que existem coisas que sentimos, as grandes, as magnânimas, para o bom e para o mau, que não me parecem possíveis de trespassar. Sabe quem sente, quem por obra do acaso, da sorte, do azar ou do que for, é sujeito a esses profundos sentidos, que são nossos, muitos nossos e de mais ninguém. Agostinho diz-me ainda que a viu partir, num ultimo suspiro que ele próprio lhe teria arrancado se pudesse, não pode, que a vida, ou melhor, a morte, é mesmo assim, de uma perfeição de execução suprema, não há falhas, não há hesitações, leva quem tem de levar e pronto, só conheci uma doutras, descrita por Saramago, mas julgo que a tal nem exista, embora me tenha causado simpatia, confesso. Desde lá até hoje, seis meses, como já disse, volvidos, Agostinho consome-se aos poucos, esvaindo-se também ele, de forma muito mais lenta do que deseja, que a bem ser, já teria ido há muito, de preferência até, antes da vida lhe reservar tamanha provação, que de resto, nem superou, que a vontade foi-se, a alegria também, e o que por cá faz agora é mendigar, numa existência que acarta nos ombros como um fardo tremendo, qual carrapato, que não mais se descola. No final de tudo, largo-lhe a mão, fecho-lhe a janela, tento que descanse, e saio. Nem sei se sai cedo se tarde, que às vezes, a minha sensibilidade fica atordoada, mas nem sequer a condeno.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Sonhos assim

Era noite. O que ela queria mesmo era sentir-lhe ódio, rancor, o que fosse, desde que se traduzisse naquela coisa que nos assanha por dentro, e que acende uma repulsa tamanha, que em certas alturas da vida, pode até ser um bem precioso. Não que o sentimento em si lhe traga algo de bom, que um sentimento negativo dentro do corpo, é sempre um sentimento negativo dentro do corpo, que mais não faz muitas vezes, do que sacudir-nos internamente, causar algum desconforto, e abandonar-nos à nossa sorte, como se merecêssemos, assim ser tratados por quem nos povoa. Mas há dias em que a sua falta se impõe, apenas e só porque na sua presença, o tal do amor que já nem encaixa, que lhe aperta o peito, o coração e o corpo todo, capaz até de a sufocar, talvez até se atenua-se um pouco, se possível isso for, e lhe trouxesse alguma calma, que poderia até ser fictícia, transitória, falsa, que nem importava, coisa estranha esta, dizer que o ódio, nos pode levar à calma. Se calhar, a calma a que se chega, nem será bem da verdadeira, mas será a possível de se sentir, quando os sentimentos nos atraiçoam assim. Nessa falta, mais não consegue que um doce suspiro, que se prolonga na noite, dentro e fora dos sonhos, que a abrangência é tal, que nem a esses perdoa, ainda Freud dizia, que o sonho nos guardava o sono. A guardar, guardaria bem guardado, e permitir-nos-ia uma escolha afincada do quero isto ou quero aquilo, e não uma entrega passiva a algo que nos transcende e nos leva, de vontade ou a contragosto, numa viagem programada pelo nosso inconsciente, que às vezes corre bem, outras nem por isso. E diz-me então que quase lhe sente medo, dos sonhos, diga-se, que aí então, o amor ainda parece maior, como se adormecesse a consciência, a censura se escondesse, e tudo pudesse fluir. Se não estou enganada, Freud, também dizia isto. De manhã, normalmente, tudo acalma. Ou quase tudo, que o malvado do ódio não chega, a história repete-se, e à noite surgem os sonhos outra vez.

Trio Odemira e afins


Passo na sala e oiço os Trio Odemira, já nem me lembrava de sua existência, e se a despropósito me lembrasse, por certo julgaria já nem existirem, tal é o tempo, a que já não os oiço cantar. Ouvia-os em pequena na Rádio Renascença, debaixo da mesa da cozinha da casa da minha avó, onde eu brincava horas a fio, com o gato, os carrinhos de linhas, e os jornais velhos do Ribatejo. Nunca tinha percebido muito bem a minha predilecção por estar debaixo de mesas, descobri há bem pouco tempo, quando encontro o meu filho enfiado debaixo da mesa da sala, onde tinha atado uma manta, com o propósito de fazer uma casa. Concluo que a ideia é essa mesmo, a de arranjar um porto seguro, um tecto à nossa medida, digamos assim, onde nos enfiamos, brincamos, e estamos ao mesmo tempo resguardados. Necessitamos disso, que se faça. Enquanto ouvia Trio Odemira e outros que tais, intercalados com António Sala e o jogo da mala, esse, julgo que extinto de vez, erguia castelos com os carros de linhas, barcos com as folhas dos jornais, e fazia o pobre do gato estar ali, de companhia, coisa que o pobre nem gostava muito, mas a isso se via obrigado, que eu na minha grandiosidade, a isso o forçava, atando-lhe a coleira do pescoço, à perna da mesa. O meu avô, nem muito tempo ali passava, saia cedo e voltava tarde, que a vida assim o exigia, mas quando estava, desligava o Rádio, os Trio Odemira e o António Sala, e punha as suas cassetes de Amália Rodrigues e de Rodrigo, o que muito me agradava, que desde cedo me rendi ao fado. A minha avó, que escrevia religiosamente as quantias do jogo da mala num papel pardo que trazia da padaria a embrulhar o pão, enfurecia-se, ainda para mais, porque eu, sua netinha querida, ao invés de a defender, unia-me ao meu avô e ao fado. Na altura, nem bem a percebia, a ela, esposa dedicada, costureira e bordadeira de primeira, cozinheira e cuidadora do meu avô, que via na Rádio Renascença, no António Sala, nos Trio Odemira e nos Parodiantes de Lisboa, a sua distracção, que lhe levava as ideias para longe do velho chato e vaidoso que tinha à perna e dos dias passados nos confins do nada. Fui uma ingrata eu, e hoje, se voltasse atrás, entenderia a minha avó, e ouviria com ela tudo o que ela quisesse ouvir. Ao fim e ao cabo, a pobre até nem pedia muito.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Quadros de vida


Olho para os dois e vejo-os de mão dada, num jogo de amor e protecção, se é que se pode chamar de jogo ao cenário. Sinto a fragilidade do filho, entendível, e sinto ainda mais a do pai, que se insurge fora do tempo, como se nesta vida nos pudéssemos dar ao luxo de vivermos o que quisermos, como quisermos e onde quisermos, sem o mínimo atento à curva das horas, aos rasgos do tempo, coisa estranha esta que não nos conduz ao sossego. Nem sequer gosto de assim os mirar, porque de fora, por demais de fora, ou pelo menos de fora o suficiente para não me ser permitido intervir, mais por mim do que por qualquer outrem, apetece-me dar colo. Nem por protecção ao filho, que lhe dou toda a que tenho ou alcance, ou até ao pai, que isolado em si, em nada me toca. Julgo que para me proteger a mim mesma deste sentimento atroz que me deixa a mim perdida, como se o quadro que eu visse, fosse um Picasso indecifrável, que eu decifro assim, na luz dos meus olhos, coisas que os outros podem nem ver. Que ao menos eu decifrasse errado, seria o que eu mais queria, que muitas das vezes, aquilo que leio preferia nem ler, que a muito me poupava, e bem o mereço. Peco porém por esta destreza de ideias, que ainda que camufladas ao comum dos mortais, a mim me perseguem, como que se um dom detivesse, de sentir o que mais ninguém sente, de ver o que mais ninguém vê, e que afinal está lá. Não gosto.
Estão os dois de mão dada. O pai puxa o braço do filho, o filho segue-o com um sorriso. Não se consegue ver, mas a minha mão anda por lá, num afago imaginário não a um, não a outro, mas ao quadro, tal como disse. Nem por isso lhe pego, nem por isso o sustento, fica tudo na mesma. Ou pelo menos é o que se vê.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Rumos


Olho para os alunos, as entradas nas faculdades e afins, e lembro-me, de quando escolhi ser Psicóloga. Escolhi por falta de outras opções válidas, porque não gostava de matemática, e fugi literalmente para Humanidades. Por fim, dada a ausência dos números no currículo, não pude ser Arquitecta, que me apetecia muito mais na altura, sonho que ainda me persegue, embora já me acene de longe. Coisas da vida, que nem sei se serão boas se más, que a ter sido Arquitecta, poderia ser boa, mas ficaria decerto distante da facilidade que tenho em ler mentes alheias.
Escolher um curso para a vida é uma responsabilidade tremenda, há por aí quem nem perceba isso, e que incentive as escolhas de qualquer um, só pelo canudo, coisa que hoje já pouco vale, a não ser em riqueza pessoal, obviamente. Estas fracas escolhas, podem dar origem a calmos caminhos, ainda que com alguma sorte, como o meu, ou a escolhas malfadas que em nada encaixam nas ambições e projecções internas de quem de direito, ou seja, quem escolhe ao acaso e arca com as consequências para a vida. Embora em menor número que há uns anos atrás, ainda me deparo com exagerada frequência, com opções moldadas aos pais, que querem este ou aquele percurso, e que, ainda que muitas das vezes de forma dissimulada ( ingénua ou não), influenciam as escolhas dos filhos sem a sensibilidade suficiente, porque lhes escapa que o rumo profissional dos filhos é o rumo profissional dos filhos, e não a realização dos sonhos dos pais. Bem sei ser delicado este campo, bem sei também que os pais sempre querem o melhor, mas ainda assim acho, que escolher profissões, é para os filhos, sob orientação dos pais, e não para os pais, com a conivência passiva dos filhos. Admito e aconselho uma orientação efectiva do percurso, com os intervenientes necessários à maior clarificação possível de mentes que ainda crescem, e que por vezes, nem sabem qual o melhor caminho, qual o que mais gostam, qual o mais viável, pelo que o trabalho será, a conjugação de todos. Pena tenho, de que muitas vezes, se banalize este processo importante, que marca um inicio de um futuro abrangente, importante demais para se deixar seguir na deriva. Logo se vê, oiço às vezes, e não gosto nada desta expressão.

Escolhas


Já fiz mais do que muitas por esta vida fora, umas mais certas que outras, bem sei. Escolher é uma das árduas tarefas que alguém nos atribuiu, nomeadamente quando se tratam de opções determinantes ao percurso da vida. Lembro-me sempre de ouvir gentes que se lamentam eternamente por escolhas mal escolhidas, uns remedeiam, outros não, depende.
Na grande maioria das vezes, nem nos apercebemos do carácter de escolha, porque o fazemos naturalmente, quando o ganho ou a perca nem são substanciais. Depois existem as grandes, que me lembram sempre o filme A Escolha de Sofia, num limite supremo, de se pedir a uma mãe que escolha um dos filhos para a morte. Um pesadelo. Nem imagino tal provação, ainda que tenha a distante consciência do que trará de arrasto, longe, por certo muito longe da realidade, que a imaginação do alheio, a tanto nos transporta, mas fica aquém, sei-o por outras experiências, de digna fidelidade. Admitindo que nos nossos dias e caminhos, as escolhas não surjam de forma tão ingrata e desumana, existem dias, horas, minutos, ou até, quem sabe, segundos, onde as escolhas se nos assumem como um dilema de morte, um vamos ou não, que nos acarta ao colo para todo o sempre. Os prós e os contras que tanto ensino, de pouco me valem, que não sei se sabem, mas em casa de ferreiro o espeto é de pau, e a minha lista não tem conclusões.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Do Amor, e se não fosse por repetir-me, diria ainda e outros demónios...

Liga no seu encalço, uma tal de Fernanda, que vá lá saber-se porquê, perderam-se as duas de amores por um mesmo Homem. Bem dizem que há sete para cada um, a assim ser, só podem mesmo surgir estas aberrações, que no meio de tudo ainda faltam outras cinco, que ele decerto esconde, com mais jeito por aí. Nem sendo propriamente um pombo correio, que quando muito seria pomba, ou moça de recados ou o que for, faço chegar a quem de direito a solicitação pretendida, ao que me é respondido não haver qualquer interesse ao diálogo, que está tudo mais do que dito e tratado, e que o Homem está liberto, que ela, já o deixou para Fernanda, que não é cá de partilhas. Reparo nos olhos e vejo uma malvada de uma lágrima que teima em saltar, que por muito que a pobre a disfarce, a empurre, ou a mate, a danada ressuscita e acaba por lhe sair a contragosto. Também me acontece amiúde, que acções que reprimo, escondo ou tento abandonar, me perseguem teimosas, como que para me fazer lembrar que eu mando, mas pouco, terrível afronta, do interior do meu ser, que ao invés de me proteger, me atraiçoa, o bandido. Sabe o que é, diz-me entredentes, gosto dele, que hei-de eu fazer?
Queria dizer-lhe, é bem certo que sim, mas nem por isso sei que diga, que por vezes, bastantes diria, quero proferir algo que atenue isto ou aquilo e nem sequer consigo, nem creio que por burrice ou ignorância, mas porque julgo que nem há que dizer. Ainda que procure, e já o fiz com afinco e dedicação, ainda não entendi plenamente, ou melhor nem um pouco, o porquê de se amar o Homem errado, e quem diz Homem, diz Mulher que é exactamente a mesma coisa. E quem enche a boca e profere, que não há certo ou errado quando há amor de verdade, eu encho a minha e digo que há sim senhor, que há isso tudo, e que quem assim fala nunca teve o azar de ganhar amor a quem não deve. Bem-aventurado seja, que goze e se cale, que dos outros, dos infortunados, sabemos nós.

domingo, 12 de setembro de 2010

Nela e eu

Já nem a vejo há muito, que as vidas são uma encruzilhada danada, que às vezes controlamos outras vezes não. Em pequena ocupava-lhe o tempo, que a pobre tentou, mas os filhos não surgiram, perdia-se então comigo, que era quem lhe restava mais perto. No café da aldeia, pertença de seu pai, onde os Homens entravam e saíam à velocidade do toque fabril, passava o seu tempo, na tentativa de arranjar algum, que ao toque da sirene, entrasse e saísse, com algum propósito para além do café, mas o facto é que, após o primeiro, que a trocou por uma Norueguesa arranjada nos Navios de cruzeiro da Fred Olsen Line, mais nenhum surgiu. Era pequena e gorda, com milhentos pelos a cobrirem-lhe o rosto, que ela atacava com força e vontade, mas há coisas de uma figa, que não desaparecem nem por nada, existem muitas assim. Povoavam-lhe ainda o rosto, dezenas de pontos vermelhos, numa adolescência tardia que teimava em não desaparecer nunca, ao menos se mantivessem outras coisas, mas não, o vigor dos magros anos já se esvaia aos poucos, e ela acartava agora com uma idade avançada, com tudo o que isso traz de bom e de mau, e com umas réstias de adolescência, apenas com o mau. Um pesadelo. Lembro-me de a ver passar horas ao espelho a falar sozinha, na época nem percebia porquê, que me interessavam muito mais os gatos malhados e os cães que tentavam saltar do canil, dos quais eu detinha um medo de morte, mas que numa afoita de valente, enfrentava de frente. Achava eu na altura, que eles estavam dentro e eu estava fora, e aquilo era tudo menos valentia, mas adiante. A mãe nem sabia o que fazer-lhe perante aqueles discursos sem fim, que tratavam tudo e mais alguma coisa, com especial incidência nas soluções para a sua triste vida. Hoje sei o que isso significa, ainda para mais, quando me apanho agora há pouco, a discursar para mim mesma um eu sou capaz. Nem sei se sou se não sou, que isso ainda está para se ver, mas com a minha alta voz a dizer que sim até à exaustão, como que a convencer-me de algo que me transcende ou quase, estou na eminência de achar que sim. Afinal esta coisa dos discursos para nós mesmos até tem o seu quê de cientifico, e a Nela já sabia disso há muito, eu é que não.

Esclarecimentos

Há certas coisas que gosto de ler no papel, embora a informática me valha de grande, em várias ausências. No dicionário comprado hoje para o pequeno, procuro, como se não soubesse, dois grandes significados:

Escolha: Opção, selecção
Sorte: Coisas boas que acontecem por acaso

Fonte, Dicionário Ilustrado da Texto Editora.
Sim está ao abrigo do acordo, mas ainda não me habituei, e procedi às alterações necessárias. As palavras, essas foram escolhidas a dedo. É que tenho para mim, que existe por aí uma confusão tremenda entre as duas. Assim, fica tudo esclarecido.

sábado, 11 de setembro de 2010

Justiças, Sociedades e outros que nem me ocorrem agora...

Bem sei que julgar actos nem sempre é fácil. Quem julga também peca, mas num estado de direito, liberdade e afins, a Justiça assume-se como um pilar fundamental, e há que crer nela, ou aguardar o colapso.
Ainda assim, por vezes, nem se pratica na hora certa, e gente que se sente atingida, acha por bem agir e cometer aquelas obras de remedeio, que para uns serão umas, para outros serão outras, depende de quem as pratica, vai da mente.

Ele era um rapaz sem juízo, sozinho na vida, que nasceu deficiente e pobre, terrível sina, que é muita desgraça para um Homem só. Cedo iniciou caminhos perdidos, que sem eira nem beira, pouco mais lhe restava, que a sopa da vizinha e o pão da padeira, muito ajudavam, mas nem por isso chegavam. O Pároco também dava uma mão, mas o sacana, devia ser filho do demo, que desrespeitava o Senhor sem saber o que fazia, e a coisa por vezes azedava, que esta gente fraca, nem presta para agradecer e cospe no prato que o serve, que há-de fazer-se a estes casos de pura heresia?
Suspeitava-se de roubos e as queixas surgiram, a quem de direito, que por falta de provas, ou o que quer que fosse, nada fez, e assim se continuou. A sociedade envolta continuou também, para o bem e para o mal.
O Pároco prosseguiu, em sua obra divina, a tentar convencê-lo de que o caminho da fé seria a salvação, intercalando com dias em que a distância emergia, que parecia possuído, e a lonjura da casa do Senhor, era o que mais urgia. Ao senão, a confusão era tal, que quem rezava a bom rezar pelos males do mundo, poderia ainda ficar perturbado, e a reza poderia nem surtir efeito, terrível coisa seria. A padeira continuou a dar pão, a vizinha sopa, e o diminuído continuou a roubar, que nada lhe chegava para a sofreguidão apresentada, horrível pecado, ainda por cima mortal.
O povo insurgiu-se, que quando a justiça não age, a população sente um direito supremo, que nasce cá dentro, como se legítimo fosse, aplicar o que se entende, a fim de punir quem no meio da desgraça, se desgraça ainda mais, como se de resto o caminho, nem fosse sempre esse. E logo um daqueles, que nem é bem gente, não se vai pronunciar sobre nada, que nem meios tem, e ainda para mais, sabe que roubou, logo come e cala, e é mesmo assim que tem de ser.
Ora justiça de mãos iradas é justiça de mãos iradas, que as gentes quando se assanham, ainda para mais em grupo e com sede de vingança, nem olham a meios, e só pensam nos fins, e ali, o fim, era dar uma lição de vida a quem tanto roubava, sem nunca ser punido, ora vamos lá então a isso. Juntam-me mãos e outras partes, unem-se as forças tamanhas e tacanhas, e leva-se aquele ser diminuído para dentro de algo distante. Usa-se, abusa-se, e deixa-se lá, que é para aprender a ser gente.
Descobre-se o crime, nem sei porque meandros, e então surgiu justiça mais séria, parecendo até, que o Mundo em volta acordou. Puniram-se os Homens justos, encaminhou-se o diminuído, e a vida segue assim muito mais calma. O diminuído está agora acompanhado, nunca tinha estado, nem tinha sido preciso. Ele roubava e subsistia, é a lei da vida, foi preciso ser enrabado para darem por ele, o olharem nos olhos, e orientarem caminho. Os outros estão onde merecem, nada mais há a fazer, e finalmente está tudo sossegado lá na aldeia.
E a isto chama-se justiça. Mas poderemos falar ainda de mais coisas, como sociedade, igualdade, direitos e afins. Ou outras ainda que não me ocorrem agora.

Do dia


Estava de férias. Acordo, abro a janela, acendo a televisão, e paro na CNN. Ainda de olhos meio fechados, vejo uma imagem de um avião a embater numa torre e penso, onde vai a imaginação, que filme será este? Rebolo-me na cama e vejo outro, enquanto o meu cérebro desperta e olha de novo para a sigla, no canto superior direito, onde se lê, efectivamente CNN.
A força do fanatismo não tem limites, bem sei, permitindo a quem dele padece, cometer loucuras em tamanho grande. Quem se enfia dentro de um avião a fim de matar gente, muita gente, incluindo a si mesmo, assume um dos maiores perigos que o mundo pode enfrentar, pela impossibilidade de controlar o comportamento, que o comum dos mortais, pensamos nós, foge da morte. Pior, é que existem os incomuns, que podem entrar em aviões, podem atar explosivos ao corpo, e outros que tais, e podem sacrificam a vida. Ou melhor, devem, pois trata-se de um dever que sentem internamente. Incontrolável.

Nessa semana, por entre águas quentes e praias de sonho, quase me esqueci das torres gémeas, terrível pecado, bem sei, mas a lua, era de mel, e a muito perdoa. A vinda foi difícil, como que para me redimir, da languidez dos dias, num avião de gente em alerta, com uma equipa treinada, mas não tranquila.
Ali ganhei um dos medos da minha vida, que nem tenho muitos, pelo que a minha actual relação com os aviões ainda não é fácil. Isto um dia passa, que já lá estou quase. Assim passassem outras fraquezas que por aí andam.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Mais do que fazer

Gosto particularmente de gente com ideias. Satisfaz-me ouvir criticas, quando no seguimento desperta algo de produtivo, alguma visão inovadora, uma vontade de mudança. Hoje vi um rol considerável sem nada disso adstrito, o que muito me encanita, para usar uma expressão com a qual simpatizo, e que vejo amiúde por aí. Gentes reunidas têm sempre um poder exacerbado, que pode ser usado no bom ou no mau sentido, mas nem sei porquê, o mau, com ou sem razão aparente, parece-me sempre vencer. O inicio da escola pode ser sempre um bom motivo para reunir gentes, e para ouvir línguas que se soltam, em crítica a isto ou aquilo, que são sempre mais do que muitas.
Intriga-me porém o silêncio destas gentes poderosas, quando se solicita algum voluntário para a Associação de Pais. Tanto, como me intrigou hoje, a encarregada de educação, bem a meu lado, que já tinha aponte um dedo ou vinte, a isto e aquilo, e que diz entredentes, aquando da convocatória para a Assembleia Geral, um É o vais, tenho mais do que fazer.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Memórias



"Venho na carrinha velha porque me lembra a infância e aquelas tardes em que dentro de uma assim, ia para o trabalho com o meu pai, que depois me deixava horas a brincar no campo. Deixou-me boas memórias. Temo que um dia os meus filhos não tenham destas para contar"...


No meio de outras, disse-me esta, e como o entendo. As minhas mais doces memórias, vêm da humilde aldeia, do meu baloiço de árvore, dos gatos zarolhos que deambulavam pelo quintal da minha avó, das tardes em que se brincava, após a saída da escola, até ser noite.
Hoje, o meu, os dele, e muito outros meninos que habitam cidades, vão de casa para a escola, passando pelas actividades extra curriculares, de onde saem ao fim do dia, atafulhados até ao limite, mas a falarem Inglês, a tocarem música, a nadarem e a dançarem de forma criativa.
Lá na aldeia ainda se vive algo semelhante ao que vivi na infância, eu e ele, é que já não estamos lá. Chamo-lhe evolução, mas às vezes, pensando bem, nem sei se não estarei enganada.

Clics e pensamentos



É frequente parar para a ver, que senão paro é difícil, dado que é quase sempre ali que está. Costuma fumar um cigarro na churrasqueira, e eu faço-lhe companhia enquanto a oiço falar, no pequeno cubículo com cheiro a frango assado, febra, ou o que for, depende da ementa do dia. Estava no computador a jogar um qualquer jogo onde tinha de salvar umas galinhas de uns ursos, nem bem sei o que aquilo era. Perguntei. Olha é um jogo, responde-me. Quando paro, preciso de fazer algo que não me deixe pensar, diz-me. O que se passa?, pergunto. O olhar mortiço diz-me quase tudo. Nada, não se passa nada, eis o problema. Oiço-a uma boa hora, no calor da churrasqueira. Saio de lá directa a casa, onde o duche me salva do cheiro que se entranhou em mim, e onde tento, a todo o custo, que a alma também se liberte, do amargo sentimento que se me pegou. Não libertou. Pena que nestas coisas da alma, não exista uma água, doce, benta ou salgada, que nos lave por dentro com a mesma eficácia com que nos lava por fora, seria tudo tão mais fácil.
O medo do pensamento inquieta-me, e bem perto, perto de mais, chego a encontrá-lo. Quem foge de pensar, foge de reflectir, de planear, de imaginar. Foge da intenção, do propósito, no fundo, quase que foge da vida que tem. Como se a abstracção, o esquecimento, a algo nos levasse, erro tremendo de quem perde a confiança, e como tal, acha que o melhor é esquecer, e assim indrominar a existência. Um desperdício.
Nem me posso entregar à impotência que por vezes sinto, perante gentes assim. O cerne, está no clic inicial, que parece nunca chegar, ou que chega tarde. Quem não lida com mentes de perto, nem bem percebe a sua importância. Importantíssimo, vos digo. É quando se dá, que o percurso se inverte, que a alma se sacode, e que volta o pensamento.

Aguardo ansiosamente o clic dela, e quem sabe alguns outros clics. Tento liga-los, numa inocência estapafúrdia, pela qual peco por vezes, pois bem sei, que a dar-se, tem de ter móbil interno e não externo. Deveria ser mais fácil para quem foge de pensar, perceber que o clic da mudança urge. Mas quem me disse um dia, que viver podia ser fácil, enganou-me bem enganada.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Maria

Maria, uma das muitas que por ai há, é uma velha solteira. Um pouco impertinente, diria eu, embora com carinho. Diz-me o sobrinho que a acolheu, que a saber o que sabe hoje, nunca para cá a teria trazido, que lhe liga dia e noite, porque sempre de algo necessita. Vivia numa aldeia na Serra com um pobre irmão a quem comandava a vida. O mata bicho, o almoço, a janta e a ceia, saiam sempre na hora marcada, e ai dele se houvesse atraso, que logo levava com um ror de impropérios, dignos de ofender as pedras da calçada. Há tempos, rumou o sobrinho à Sobreira, a fim de desmantelar a casa e a loja, que por lá tinham ficado ao abandono, após a morte do tio, e a vinda da tia. O seu maior susto foi o armário medicinal da digna senhora, mais cheio, dizia-me ele, ainda que em exagero, do que a farmácia da aldeia. Sua tia padeceu de mil males ao longo da vida. O mal da ciática, desde muito nova. O mal da azia, que se calhar lhe atafulhou o espírito, pode bem ser, que nestas coisas do corpo, tudo se liga internamente. O mal do intestino preguiçoso, que só funcionava com ajuda, e de semana a semana. O mal da cabeça, que de quando em vez ficava tonta, e ainda fica, que é frequente ficar zonza e necessitar de permanecer o dia deitada, porque senão pode cair. Para tudo isto, detinha na sua posse, um considerável número de tratamentos, químicos ou naturais, que a iam ajudando a lidar com a má sorte que Deus lhe deu. Alia-lhe ainda as desgraças, de ser torta de nascença, e de não ter marido, coisa terrível esta última, que também a mim me assola, pelo que lhe causo um dó de morte.
Hoje, Maria aguçou as maleitas, e cerca quem pode com tudo o que a apoquenta. Da farmácia, vêm todos os dias, pomadas para isto e para aquilo, comprimidos que a adormeçam e que a acordem, pastilhas para a digestão, e laxantes vários, a fim de lhe lavar as entranhas entupidas. O Médico acede, que mais ele faça, perante a insistência acesa e implacável de que é dona desde sempre. A mim, como de resto, já é hábito, tocam-me os dentes, nem bem sei porquê. Que caem, porque a cola esgotou e ainda não chegou. Vai vir, digo-lhe na minha humilde paciência, vai ver que chega em breve.
- Ai menina, por favor ajude-me. Já sabe que lhe rezo todos os dias o terço, para seu bem, para o do seu menino, e a ver se arranja noivo.

Já lhe expliquei que nem era preciso tanto, que se ficasse por mim e pelo menino, mas ela insiste e reza para tudo. Acredito que me reza com alma, e não só para que eu lhe traga a cola para os dentes. No fundo é um amor a Dona Maria.

Azares


Uma tinha o mesmo nome que eu, e dividia comigo a carteira da escola primária. Usava uma trança comprida, às vezes em carrapito, outras vezes não. Muito do meu material escolar era partilhado com ela, que vinha sem nada, na maioria dos dias. O pico, a almofadinha, os livros, enfim. O seu irmão António era lindo de morrer, e cheguei a ter-lhe paixonite, eu e mais algumas. Era alto e moreno, e tinha uns olhos verdes de cortar o ar. Às vezes tinham piolhos e lêndeas, e bem por detrás da minha casa, onde as tendas se montavam tempos demorados, a tia, uma cigana alta e bonita de nome Cidália, sentava-os no chão, depositava-lhes a cabeça no colo, e catava-lhes o que podia. Às vezes olhava-me e perguntava-me, queres que te cate? Não queria, que sempre tive sangue ruim, e a bicharada sempre me fugiu a sete pés. Diz minha mãe, que um dia, me encontrou uma lêndea morta, pobre coitada. Nada tive para lhe oferecer, que lhe justifica-se deixar por cá um piolho, pelo que se matou.
De noite, fosse verão ou inverno, acendiam uma fogueira e cantavam e dançavam na sua volta, músicas que me ficaram para sempre, como os meus olhos ficaram lá. Cantavam com uma alma profunda, sempre me pareceu, em tom sofrido e sentido, e eu, à revelia da casa, espreitava por entre as cortinas, aquelas músicas choradas e não cantadas, coisa que me atraia por demais, e me roubava o sono até altas horas. De manhã, fosse verão ou inverno, tomavam banho num largo alguidar, que enchiam com umas quartas de água azuis, que buscavam no poço da minha casa.
Com o tempo, perdi-lhes o rasto, que nos entretantos procuraram outros rumos. Mas há uns anos, encontro numa feira uns olhos verdes, que nem podia esquecer. Que logo me sorriram, grande deleite para mim, que afinal, não envelheci assim tanto. Já casado, claro, com uma Cigana de nome Susana, e já com filhos. Vendem nas feiras, levam os miúdos no braçado, hoje de carro, que os burros já não lhe chegam para o que precisam de andar, e já não é bem tempo para carroças, por demais lentas para um dia cá e outro dia lá.

Fazem parte das minhas boas memórias os ciganos que conheci. Haverão outros menos bons. Tenho outras gentes boas e outras gentes más. De todas as gentes. Mas isto sou eu, claro. Há por aí muito boa gente, 80 por cento, dizem, que tem um azar do pior, e só conhece Ciganos dos maus, e outra gente da boa.
Azares, senhores, bem sei que são azares.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Do dia

Foi à uns anos, lembrei-me agorinha mesmo. Até podem pensar, que a nóia do dia, se é que ela é perceptível, a isto se deve, mas não. Nada disso, antes fosse, que a ser já teria passado.

Levantei-me bem cedo, certa de que seria para sempre. Rumei à cabeleireira que me armou o cabelo num penteado mais ou menos e regresso a casa, bem a tempo de me enfiar no vestido escolhido a dedo para o dia. Era lindo, é um facto, e eu, assentei-lhe bem, modéstia à parte. As jóias que o compuseram ainda hoje me fazem as delícias. Um colar de lágrimas em prata e cinza, e uma coroa a condizer, porque caso não saibam, fui Rainha nesse dia. A minha amiga Cláudia chorou baba e ranho, a pobre, que há muito queria um dia daqueles para ela, e não lhe via jeito, e por isso, nunca percebi claramente, se chorava de alegria por mim, se de tristeza por ela, não gosto nada destas dúvidas. As restantes amigas sorriam, e ajudaram-me com a cauda gigantesca, que o caminho para a Igreja foi feito a pé, ou não morasse eu, bem na sua beira. O avô foi outro dos que chorou sem destino, mas esse, tenho certo, que foi de alegria. Vestiu-se de preto, que a viuvez a mais não permitia, e acompanhou-me de perto, com um sorriso que surgia no meio do choro, em tom amarelo. Tive direito a marcha, tocada ao vivo e ao piano, que não me venham cá com tretas, de músicas assim e assado, que casamento é com a marcha nupcial de Mendelssohn. No final de cerimónia, tudo bateu palmas, excepto os que já tinham saído, que levar com um casório até ao fim, só é giro para os noivos e pouco mais. Saímos, fotografamos, e rumamos para uma Quinta. O Senhor Vasco, animou a festa, com uma Música ao vivo um pouco morna, mas que chegou bem para aquecer toda a gente, que a boa disposição reinava por lá. Dancei até às cinco da manhã, praticamente não dormi, e no dia seguinte a festa continuou.
Tenho ali numa gaveta os álbuns de fotos, e uns vídeos em VHS, que já não tenho onde ver. Tenho também uns sapatos que pintei de preto, e que já me acompanharam a outras cerimónias. Tenho um coração que já se refez da cacetada, que já se meteu noutras e que não aprende, apre, que é burro.

Quase

O quase sempre me soou a estranho. Pode ser um quase longo, pode ser um quase perto, que tudo lhe cabe. Ganhei-lhe aversão ainda em tempos de faculdade, quando o nove, quase que era dez, mas que ainda que num quase minguado, não me chegava, pois não. Depois disso, no quase permanente onde me deambulo, quase que trabalho no que gosto, que não sendo bem é quase, quase que tenho quem quero, e quase que sou feliz, que não estou muito longe, falta só o quase. Também estou muitas vezes quase a dormir, num quase que pode durar um minuto ou uma noite, é a tal da ambiguidade. Tento aniquilar esta palavra medonha que quase me atropela a toda a hora, um dia ainda consigo. Ou então quase que sim, que já não é mau, e eu já estou habituada. Mas num quase permanente, quase nunca me canso, e quase sempre prossigo. Afinal, o quase, também pode ser bom. Ou quase que sim.

Utopias

Julgaria prudente estarmos munidos de um botão. Qualquer coisa semelhante a um qualquer interruptor, que poderíamos esconder, atrás da orelha, por exemplo. Podia servir apenas duas funções, num liga e desliga que em tanto me valia.
Um pensamento, e chegaria. On, off, ou nada, em caso disso.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Má lingua


Em incursões nocturnas, nem muito habituais em mim, não posso deixar de reparar num fenómeno, que nem sendo de hoje, se encontra por ora acentuado, ou no mínimo, mais abrangente. Em épocas de minha adolescência, já há uns anitos, portanto, as jovens vestiam-se de calça de ganga Chevignon ou Uniform, Polo Benetton, camisola Levis atada na cintura, e blusão de ganga, também ele de marca, fosse ela qual fosse. Os ténis eram All Star ou Keeds, das mais diversas cores. Eram todas iguais ou muito parecidas, mas aquilo passava, por volta dos 20, vinte e poucos. Hoje o fenómeno alargou em dimensão.
As adolescentes usam calça de ganga roçada, Salsa ou Zara, camisa, normalmente branca Saccor ou Zara, com um cinto castanho, normalmente largo, por cima, sandálias castanhas de cunha ou salto muito alto, da Forever, ou da Fly, brincos e colares gigantes, da feira ou da Natura. As de 20, usam calça de ganga roçada, Salsa ou Zara, camisa, normalmente branca Saccor ou Zara, com um cinto castanho, normalmente largo, por cima, sandálias de cunha ou salto muito alto, da Forever, ou da Fly, brincos e colares gigantes, da feira ou da Natura. As de 30 usam calça de ganga roçada, Salsa ou Zara, camisa, normalmente branca Saccor ou Zara, com cinto castanho, normalmente largo, por cima, sandálias de cunha ou de salto muito alto, da Forever, ou da Fly, brincos e colares gigantes, da feira ou da Natura. As de 40, usam calça de ganga roçada, Salsa ou Zara, camisa, normalmente branca Saccor ou Zara, com cinto castanho, normalmente largo, por cima, sandálias castanhas de cunha ou salto muito alto, da Forever ou da Fly, brincos e colares gigantes, da feira ou da Natura.
Com jeitinho e nos locais certos, conseguiremos algumas de 50, e, já na loucura, meia dúzia de 60, neste propósito.

A necessidade feminina de se parecer jovem para sempre, leva as Mulheres para um terreno perigoso, a tocar muitas vezes o ridículo. Tendo encantos em qualquer idade, diferenciados, obviamente, nem percebo porque não os utilizam devidamente, e se atafulham todas (ou quase) no mesmo, sem a mínima adequação ao que são. Bem sei da importância de cada uma vestir o que a faz sentir bem. Duvido, mesmo, é que todas (ou quase), se sintam bem com calça de ganga roçada, Salsa ou Zara, camisa, normalmente branca Saccor ou Zara, com cinto castanho, normalmente largo, por cima, sandálias castanhas de cunha ou salto muito alto, da Forever ou da Fly, brincos e colares gigantes, da feira ou da Natura.


Seguidores