terça-feira, 21 de setembro de 2010

E pois que sou do campo, nem posso negar...

Era final de Agosto, inicio de Setembro, e eu, costumava apanhar fruta, que ia da maçã, à pêra e à uva, dependia do ano em questão e das férias da família, umas vezes mais precoces do que outras. Pela manhã bem cedo, apanhava a carrinha de caixa aberta coberta de lona escura, que recolhia as mulheres das aldeias, que se prestavam ao trabalho do campo, por dele necessitarem, que passatempo, nem se podia chamar aquilo. Sendo das mais novas trabalhadeiras, era portadora de um escadote de ferro pesado, de apenas três pernas, que enganchava na árvore, e assim passava o dia. No coruto das árvores, eu e outras que tais, subindo e descendo um balde de asas, enchido com cuidado ou não fora a fruta magoar, que se depositava na caixa, enquanto as velhas gordas e bizarras, de lenço na cabeça e bata de flores, ficavam no chão, e cantavam cantigas de outrora, misturadas com palavreado desavergonhado, que quando juntas, nem há quem as cale. Intercalava o trabalho com dentadas deliciosas nas maçãs vermelhas, sempre as minhas favoritas, ou não fossem elas pecado. Limpava-as na camisola encardida, com sorte, levavam uma réstia de água, que ainda hoje, poucas coisas me sabem melhor, do que fruta acabada de colher, lavada ou não, nem me importa muito. No final do dia, tínhamos autorização do capataz, a apanhar a que estivesse caída, e eu, abrigava-as no regaço, e levava-as para casa, onde a minha avó me aguardava de coração nas mãos, e com ira na voz. Nem era para aquilo que me tinham criado, a sua menina, que ao invés de descansar nas férias, andava perdida nos campos a trabalhar de sol a sol, de roupa suja, pernas arranhadas e ar trigueiro, disparate tamanho, que em nada ela aprovava. Nem as maças que trazia comigo, lhe davam o bom gosto à boca, que pareciam amargá-la cada vez mais a cada dia que passava, por muito que eu lhe explicasse, que o dinheiro ganho em muito me valia, que Lisboa era cidade cara, e que eu gostava de guardar algum, para o que me apetecesse, ao invés de mendigar a quem já tanto me dava, mas nada a sossegava, a não ser o final do mês e o meu regresso.
Hoje, não me sinto particularmente afecta às lidas da terra, embora delas me circunde, que o meio, assim obriga. Mas as saudades, aquelas, que se pegam ao bom que por nós passou, surgem de quando em vez, ainda para mais agora, que a uva impera. Frutas, nem são negócio da família, mas tenho para mim, que este ano, não me esgueiro à azeitona.

2 comentários:

  1. Eu gosto das rotinas de cuidar da casa... fui habituada assim, gosto do cheiro a terra, das plantas, de limpar.

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