domingo, 19 de setembro de 2010

Agridoce


Azedas são umas bagas brancas, ou pelo menos assim lhe chamavam, que eu apanhava em pequena no sítio da Nazaré, pela mão da minha avó. Eram de um sabor agridoce, adocicado no inicio e azedo no fim, e pensei já nem existirem. Existem, julgo que só por ali e pouco mais, que nunca sequer as vi em qualquer outro lugar.
No horizonte, via-se o mar de duas cores, que nem sabe se é azul se é verde, que gosta das duas o indeciso, e sendo assim mistura-se, nuns salpicos deliciosos, conjugados de forma desalinhada, amo quando assim o encontro, o que nem sempre acontece. Nas ondas descoordenadas as pranchas de surf distinguem-se perdidas na espuma branca, com negros vultos por cima, que se ginasticam ao limite, a fim de permanecerem em pé, tamanha afronta ao mar, que por isso, pouco os deixou. Na praia, pescadores sentados com a cana espetada na areia, aguardam com uma paciência infinita que o peixe morda, coisa que nem me pareceu enquanto estive, e estive muito. Também, julgo que quem assim pesca, nem bem quer pescar, quer sim o sossego da cana sozinha, que nem mexe, nem abana, apenas e só permanece. Ao cimo da praia estive eu, sentada na quinta, numas palhotas ressequidas pelo sal, que se partiam com um simples toque desajeitado, e eu às vezes sou um pouco assim, nem sei bem porquê. Julgo que encaixa com o estado interno, que quando também ele se confunde, atafulha o externo, que nem sabe para onde se vire e assim se comporta. Podia ao menos a graciosidade não me abandonar nunca, sentir-me-ia por certo, muito mais segura.
Ainda que a medo, ousei comer a baga azeda, que me seduzia em silêncio logo ali ao lado. Poderiam até não ser elas, que por vezes, os nossos olhos confundem, e ser algum fruto perigoso, que logo ali me atacasse, a mim, fraco ser, ainda por cima desajeitado e inseguro. Mas as memórias de infância, já muito li sobre isso, são as que menos nos atraiçoam, e mantêm-se genuínas vida fora, engraçada esta concordância, que no todo também se verifica. Meti-a na boca sem sequer a lavar, e senti de imediato aquele sabor tão familiar como distante, que me pôs a sorrir, numa quase impossibilidade de ser mas que foi. Senti a baga azeda, que ao mesmo tempo me adocicou, lembrei-me de Dona Albertina, também ela agridoce, como esquece-la, de resto, e fiquei ali, entre o o doce e o amargo, como se a minha vida, nem fosse sempre assim.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Deixar um sorriso...


Seguidores