domingo, 12 de setembro de 2010

Nela e eu

Já nem a vejo há muito, que as vidas são uma encruzilhada danada, que às vezes controlamos outras vezes não. Em pequena ocupava-lhe o tempo, que a pobre tentou, mas os filhos não surgiram, perdia-se então comigo, que era quem lhe restava mais perto. No café da aldeia, pertença de seu pai, onde os Homens entravam e saíam à velocidade do toque fabril, passava o seu tempo, na tentativa de arranjar algum, que ao toque da sirene, entrasse e saísse, com algum propósito para além do café, mas o facto é que, após o primeiro, que a trocou por uma Norueguesa arranjada nos Navios de cruzeiro da Fred Olsen Line, mais nenhum surgiu. Era pequena e gorda, com milhentos pelos a cobrirem-lhe o rosto, que ela atacava com força e vontade, mas há coisas de uma figa, que não desaparecem nem por nada, existem muitas assim. Povoavam-lhe ainda o rosto, dezenas de pontos vermelhos, numa adolescência tardia que teimava em não desaparecer nunca, ao menos se mantivessem outras coisas, mas não, o vigor dos magros anos já se esvaia aos poucos, e ela acartava agora com uma idade avançada, com tudo o que isso traz de bom e de mau, e com umas réstias de adolescência, apenas com o mau. Um pesadelo. Lembro-me de a ver passar horas ao espelho a falar sozinha, na época nem percebia porquê, que me interessavam muito mais os gatos malhados e os cães que tentavam saltar do canil, dos quais eu detinha um medo de morte, mas que numa afoita de valente, enfrentava de frente. Achava eu na altura, que eles estavam dentro e eu estava fora, e aquilo era tudo menos valentia, mas adiante. A mãe nem sabia o que fazer-lhe perante aqueles discursos sem fim, que tratavam tudo e mais alguma coisa, com especial incidência nas soluções para a sua triste vida. Hoje sei o que isso significa, ainda para mais, quando me apanho agora há pouco, a discursar para mim mesma um eu sou capaz. Nem sei se sou se não sou, que isso ainda está para se ver, mas com a minha alta voz a dizer que sim até à exaustão, como que a convencer-me de algo que me transcende ou quase, estou na eminência de achar que sim. Afinal esta coisa dos discursos para nós mesmos até tem o seu quê de cientifico, e a Nela já sabia disso há muito, eu é que não.

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