domingo, 31 de outubro de 2010

Apegos e desapegos, ou de como há apegos dos quais não desapegamos nunca...

O fim de algo é sempre o fim de algo, e quando finda algo de que gostamos, seja situação, gente ou o que for, o sentimento experimentado em nada nos agrada, que de resto, e detentora de algumas percas, ainda nem bem consigo pôr por palavras, o que sinto quando se esvai em fumo, o que quer que seja que já me fez feliz, e que por motivos de força, vai deixar de fazer. É nossa natureza o apego, que dele necessitamos quase como do ar que respiramos, tenho até para mim que na sua falta, entraremos numa desorganização interna total que nos deixará à deriva, sem eira nem beira, ou melhor, sem poiso e sem canto. Porém, e analisando mais a fundo, julgo que tal coisa talvez nem bem seja possível, que por muito que a solidão nos invada, por muito que nos afastemos das gentes que nos circundam, nunca conseguiremos entrar num total vazio de relações, sejam elas mais ou menos fortes, sendo que nos vamos pegando sempre ao longo da vida, característica típica do ser social que constituímos. Daqui decorrem invariavelmente as percas, que tanto nos afligem, mas que só vivenciamos porque apriori tivemos os ganhos, que tanto nos deram, é a vida, há quem diga assim.
Hoje olhei-as nos olhos e senti-lhes o sofrimento, que choram a mãe que as deixou, a quem tinham um afecto tremendo. Dona Maria jazia há muito em vida, que nos terrenos do mundo, tanto já vi, que já vi também muito do que não queria, que pouco haverá mais deplorável e penoso, do que gente que em vida já morreu, e que nos mira de olhar que já nem vê, numa completa mercê que me assusta a mim, mais do que qualquer outra coisa, que possa atacar directamente a minha existência.
Sinto-lhes o alívio, pelo sofrimento que lhe coube em vida, se ter finado de uma vez, que se há gente que Deus ou quem for, tratou incapazmente, foi por certo esta criatura, que veio ao mundo com um triste fado, desde o nascimento até ao fim dos seus dias. Nem bem percebem o porquê de tanta amargura, que já que a vida e os seus caminhos, tanta infausta lhe trouxeram, poderia ao menos a morte ter-lhe reservado algo de mais repentino, menos sofrido, por assim dizer, que há tanta morte santa por aí, em que no meio de um sono sossegado, se respira uma última vez sem aviso prévio, e pronto, chegou o fim. Mas não, nada disso aconteceu, numa infeliz concordância dos percursos terrenos, triste foste em vida, triste hás-de ser em morte, e assim o destino se cumpriu .
Pelo que o que lhes olho nos olhos, nas duas de igual maneira, é uma leitura que já li em outros, bem de perto, por sinal. Que mistura o alívio de ver partir quem sofre, com a dor da perca eterna de alguém que não volta mais. Intercala-se entre o choro e o riso, entre a saudade que já se sente, e a serenidade que acarta o fim, do sofrido que sossegou, mas ao qual estamos pegados. Ou melhor, vamos estar para sempre, que há apegos e apegos, e há deles, que não mais nos largam, ainda que fisicamente, nos tenham deixado há muito.
Particularidades dos sentimentos que sentimos, arrumamos e encaixamos, mas que num poder absoluto, desafiam a nossa humilde existência, que mais não pode fazer, a pobre, do que subjugar-se sem opção, aos sentimentos sentidos, já sem direcção física. Provações, chamemos-lhe assim.

sábado, 30 de outubro de 2010

Latências

A casa tem uma enorme escadaria, com um corrimão castanho e degraus de mármore. Nas paredes verdes com salpicos de vidro colorido, reflectem-se os parcos rasgos de sol, que a medo nos iluminam um dia cinzento e baço. Numa das janelas, estratégicamente encastrada do lado do sol, surge-me entre as cortinas gastas um rosto tão gasto quanto elas, isto para não dizer mais, que soaria por certo a exagero. Nem deve estar nos quarenta, embora aparente. É mãe de um filho deixado à muito em cuidados alheios. É mãe de um outro, que ainda lhe cresce na barriga, fosse possível deixa-lo ali para sempre, e o seu sossego seria por certo maior, que enquanto nem vier cá para fora, os cuidados que lhe deve, nem por isso a atentam em demasia, que é comer, beber e descansar, e com isso ela aguenta. Na nascença e daí para a frente, é que o caso se afigura sério. Quem lhe albergou um, já não lhe albergará o outro, que a velhice já se sente, e de resto, nem lhe cabe bem a responsabilidade. Pelo que o que tem agora em braços, é um filho quase crescido e quase criado por outrem que não ela, e mais um a caminho, do qual o pai fugiu, mal soube da sua existência, ainda esta nem existia concretamente, coisa que a ela, nem é permitido. A ter pensado, a ter bem consciencializado do futuro que se lhe avizinha, e teria considerado o desmancho, que a teria poupado a esta vida miserável que por ora a aguarda, desde que o pobre se tornou gente na sua barriga, e daí para sempre.
Cheguei a julgar em tempos, que há coisas que já nascem coladas a nós, como a maternidade, que parecem emergir sem esforço, como que numa fluidez latente desde sempre, que cresce e evolui naturalmente. Descubro entretanto que nem bem assim é, e que, admitindo a latência, estarão por certo mais emergentes em uns do que em outros, subjugadas, possívelmente, a um sem número de concepções. Intriga-me.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Dias assim

A cidade desabou em chuva, quase me assustou a ingrata, que sabendo do amor que lhe nutro, assim me trata em dia de visita.
No caminho, após longa hora de fila, ouço o buzinão. Género casamento, imediatamente após terem conseguido passar um acidente, sendo que vários carros buzinavam, numa manifestação despropositada, enquanto os pobres acidentados, debaixo da chuva, olhavam incrédulos.
Tenho dias em que julgo não ser daqui. Ou então sou, mas não me adapto.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Egoísmos

Chego a julgar-me capaz de tudo, em horas de presunção vindas nem sei bem de onde, em que para dentro ou para fora, discurso discursos inteirinhos, sozinha dentro do meu carro cinzento, sitio privilegiado por mim para soltar o que me vai na alma, numa exactidão que até arrepia, tal a veracidade que consigo exprimir nas palavras que profiro. Sou boa nisto, penso então, que houvesse alguém a ouvir-me, pudesse algum ouvido escutar o que sai, da minha boca ensandecida, e o esclarecimento seria por certo total, que nem haveria lugar a dúvidas, incertezas ou outras questões. Ainda assim peco, porque lhe alio um cuidado movido a afectos, onde arrumo com um bom senso insensato, se é que isto pode dizer-se assim, desta estranha maneira, o que digo na realidade a quem de direito, a quem deveria escutar os discursos que hoje já recitei em alta voz, para ninguém ouvir, como se nem tivessem direcção, coisa que se constata, para quem não saiba, uma terrível mentira.
Nem sequer me encaixo no rol de pessoas que se anulam até à exaustão, no receio de ferir susceptibilidades. Porém, num crescimento que me perturba, deixei de operar a quente e passei a operar a frio, numa calma estudada, e quase intransponível, que hoje me afoga e me aperta.
Vantagens, detecto algumas, que os arrependimentos pouco me surgem, que quando chego à palavra dirigida, o assunto está mais do que arrumado e capaz de emergir, pelo que nem corro grandes risco de cometer injustiças ou outras desconsiderações. Desvantagens, também lhas conheço, que não raras vezes, gentes que me circundam, mereciam um complexo de palavras fortes, quentes e certeiras, de cortar a respiração. Essas por ora ficam só para mim, mas quem sabe um dia lhes volto.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Magias

Olha-me a direito, sem receios, gosto disso, não por nada em especial, apenas e só porque me transmite segurança interna. Tem dez anos, uma família estranha, que o julga a ele, estranho também.
Nem por isso é fácil consciencializar quem circunda, que o erro, a falha, a desadaptação, nem será por vezes a pobre criança, mas sim a família envolvente, muitas das vezes carenciada de ajuda e intervenção, impossível de dar à partida, que nem sequer a solicitou, nem sequer a necessita, pior, é quase perfeita, porque há-de querê-la?!?!
A busca da ajuda, quando dela se carece, surge facilmente quando dirigida a terceiros, muitas vezes crianças, que se desadaptam porque são frágeis, o que se revela nos resultados escolares, nos sonhos maus, no medo do escuro, na enurese nocturna. O cerne, porém, está frequentemente no seio familiar, que também ele apresenta sinais, que amiúde nem vê, ou se vê, finge que não vê, atitude típica do adulto. E na procura da solução, inicia-se o processo pelo fim, esquecendo a causa, a origem, somos assim em tanto, que chega a afligir.
E espera-se, não raras vezes com ansiedade estampada no rosto, um resultado efectivo, concreto e palpável, que deverá surgir num instante, como se a criança, fosse um robot programado e eu um programador, que na hora de cinquenta minutos (Robert Lindner assim lhe chamava), faça uma magia de precisa exactidão, sendo que o resultado aceitável, será um menino calmo e tranquilo, sem medos e desadaptações.
Quase tão difícil como o truque de magia, é a tomada de consciência por parte dos pais, de que o ponto de partida, pode até nem ser o pequeno ser detentor do sintoma, mas sim a envolta, por demais agreste para que nela se desenvolva sem desassossegos grandes. E que para que a readaptação se equacione, será necessário o envolvimento efectivo de todos, e não só da criança, que constitui muitas das vezes, apenas e só, o reflexo do problema.
E este foi mais um dos dias, em que me pediram demais.

Tentativas, ou de como quem não arrisca, não petisca...

Olha-me de olhos sorridentes, e solicita-me a tarde de amêndoa ao invés do pão com fiambre, anda enjoado. Compreendo o enjoo, arrisco um pão de leite ou um pão de Deus, mas a tarte, chama-o.
-Ok, cedo, hoje levamos a tarte para o teu lanche, mas só hoje.
-Tá bem mãe, e um Kinder, posso levar??
-Hum, não achas que estás a abusar?
-Acho, mas era só a ver se pegava...

Antevejo, quiçá, um grande político.

Das lojas da nossa terra


Ainda acredito em impossibilidades, tal como o facto da Asae, ou outras entidades de fiscalização, ignorarem por completo diversos locais, que se mantém iguais há anos, décadas, julgo poder dizer.
Alice tinha uma voz nasalada, coisa que em muito me fascinava em criança, nem nunca tinha visto nada assim. Vendia por detrás de um balcão de mármore, com umas prateleiras envidraçadas onde arrumava a bolacha Maria, os pacotes de arroz, o detergente presto, o trigo para os animais, entre outras inúmeras coisas. Em cima do mesmo, depositava sacos de beijinhos doces e bolos secos, que ela pesava na balança de pratos, que contrabalançava com mestria, numa tarefa que me intrigava verdadeiramente. Os géneros eram embrulhados em papel pardo, grosseiramente rasgado, que deixavam na loja aquele cheiro característico que ainda hoje recordo. Teria eu uns oito anos, quando surgiram pela primeira vez iogurtes lá na loja, que Alice guardava com cuidado no frigorífico da casa de habitação, paredes meias com o estabelecimento, sendo que o espaço da família, albergava ainda a taverna do Zé Fernando, marido de Alice, onde se comiam pevides e tremoços, e se bebia sumol, laranjina, cerveja e copos de tinto.
Ainda existe tudo aquilo.
Entro por mero acaso ontem, numa mercearia de aldeia. O cheiro assemelha-se, a dona, não se chama Alice, nem tem voz nasalada, mas chama-se Zézica e usa um avental florido, cabelo armado ao alto, e tem um marido com um café ao lado. No mesmo espaço, vende rebuçados, pão, bolos secos, mercearias, arrumadas estratégicamente em alguidares de plástico, tudo isto, ao lado das prateleiras dos detergentes, do material grossista, das ferramentas de obras. O collant que necessitei por acidentes do dia, também encontrei, que nem sendo bem o ideal, de muito me serviu, que o tempo já não se presta a perna de fora, coisas do Outono.
Na saída, passo pelo velho barbudo, de boina na cabeça, que lê o correio da manhã de palito no canto da boca, e sorri. Os oito, já lá vão há muito, mas algures, em determinados sítios, quase lá chego outra vez.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Realces

Entro na página principal do MSN.
Descubro que o polvo adivinho morreu.
Descubro ainda, que Lady Gaga vestiu algures um vestido de carne, ao qual rematou com uma febra na cabeça.
Não sei, pareceu-me digno de realce.

Ciências

Há ciências que me fascinam, que a meu ver, e abusando no sentido da palavra, tomando-lhe posse para meu proveito, ciência pode ser um conceito alargado, a toda e qualquer arte que exija método, rigor e precisão, ainda que impossível de demonstrar de forma absoluta e concreta. Diria pois que a minha avó tem ciência em broas, a minha outra, a tinha em fritos, e há quem tenha em costura, que é do que por ora aqui falo.
Cidália costurava casacos de pele como ninguém, que longe que estava das manifestações activistas contra o uso de tal matéria prima, aí se aprumou, munindo-se das máquinas adequadas e de agulha possante, capaz de domar tal grossura. Dia e noite, talhava e cosia, calças, saias e casacos, na fábrica ou em casa, bem perto de uma frágil janela por onde lhe entrava o sol ou a lua, dependia da hora, havendo alturas até, em que uma lua sumida e tímida por lá lhe entrava, durante o dia, por incrível que parecesse, coisa que até lhe parecia estranho, de inicio, que com o tempo, a isso se habituou.
De quando em vez, encontrava-a na cidade, de ar aflito e atarracado, como se numa culpa tamanha de largar por momentos o ofício a que se dedicou, ora por própria conta, ora por conta da patroa, que dela abusava horas a fio, que em tantas noites, nem cosia o que lhe era encomendado, a fim de dar vencimento ao que a Senhora lhe trazia, mais do dobro do que devido, tendo em conta as horas de trabalho pagas. Cidália nem por isso dizia não, que ao invés de trabalhar em seu proveito, na arte, ou melhor, na ciência que sabia de cor, com o objectivo de amealhar algum para além da jorna, entregava o seu tempo, já em casa, a quem dela tanto abusou, foi feita para isso, assumia, aqui e em outras realidades, que o marido, esse, também lhe abusava da boa vontade, que bulir dentro de casa, nem era de homem, pelo que bulisse ela, que tinha dias, a pobre, que nem à cama chegava.
Passo-lhe ontem na beira. O mesmo ar sofrido, os mesmos olhos gigantes, o mesmo sorriso. Confidência-me então que foi substituída, por novas que levam menos ordenado, que os tempos são de crise, e a fábrica já nem é o que era. As horas de dedicação, perderam-se no mundo, como de resto, se perdem tantas vezes. A reforma ainda nem é para já, pelo que agora, pouco mais vê do que a sua frágil janela, onde costura o que há a costurar, seja pele ou outra matéria, e ainda assim, já pouco, que nos dias que correm, já nem se faz roupa por medida.
São artes, ou melhor ciências, que se vão perdendo, julgo até poder dizer, que com o passar dos anos, também a dedicação, ciência emergente, quanto mais não seja na vertente humana, se extinguirá também ela. Não por falta de predicados, que por enquanto os temos, mas por receio da dádiva, que tanto nos abandona, nas horas de mais aflição.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Ciclos


Vejo a consulta de obesidade e lembro-me dela.
Houve um dia, em que me confessou ter comido as sobras de um bolo de aniversário numa noite, sobras essas de quantidade considerável. Nesse dia confidenciou-me ainda, que antes de dormir, come, invariavelmente, um pacote de bolacha Maria molhada em leite, nas quais chupa devagarinho, pedaço por pedaço, a fim de as degustar com precisão e prazer. O prazer que lhe dá a bolacha, a cada dia, ou melhor a cada noite, sofre-o em castigo dobrado na manhã seguinte, castigo esse que se inicia na hora a que sai da cama, momento em que a culpa se acende para a atormentar ao infinito, quando se olha ao espelho, quando se veste para sair à rua, quando se despe na piscina.
Em cada uma dessas horas, jura a si mesma a jura de sempre, que nesse dia, na hora do sossego, sossegará sem bolachas, sem leite, sem bolos. Jura ainda que a refeição será parca e cuidada, respeitadora dos métodos impostos pela Nutricionista, que zela por ela com dedicação e afinco, vejam bem, ela, que nada tem a ver com o assunto, a não ser nos trâmites profissionais, ainda se esforça. Em vão, diga-se, a bem da verdade, pela fraqueza demonstrada pela paciente, um dia após o outro.
Nem bem me explica o que a faz comer assim, mas a mim, parece-me ser uma dualidade tamanha, aplicável aqui e em outros casos, e que surge, numa primeira fase, e excluindo situações de doença, numa necessidade extrema de conforto, que a comida, a isso se presta, num perfeito remendo para outras carências. O descontrolo surge depois, quando o caminho perigoso já se trilhou, e o retrocesso se encontra longe, quase de impossível alcance, o que aumenta o desconforto e a necessidade de compensação.


Um ciclo vicioso desesperante, que quem não conhece, por dentro ou ao perto, inclui no cabimento da preguiça ou da gula, numa ignorância do que circunda a doença, muitas das vezes, já de carácter crónico e de difícil solução.
O respeito pela situação, poderá ser uma mais valia, mas, e ainda que nem se considere tanto, parece-me pelo menos protector, de alguém que por meandros diversos, já se encontra em fragilidade. Quase parece fácil, mas nem sempre o é.

domingo, 24 de outubro de 2010

Tradições

O convite aparece esperado, ou não fora hábito os santos passarem-se na terra, na mesa quadrada onde se senta um considerável número de pessoas, que me faz lembrar tempos idos, outras mesas, com outras gentes, que de súbito se afastaram na ausência do laço, já pressentido ainda antes da partida.
Nem bem sei justificar distâncias, que de resto, não me perco a analisa-las, que a falar coerentemente, quando surgem em imposição de quem por ventura delas necessita, há que respeitar, que no que me toca, nem me presto a rogar presenças, como aliás, não me presto a qualquer rogo, seja ele de que tipo for, para o que for, ou com quem for. Não vem de sempre, que momentos houveram, em que se me insurgiu, até perceber, que o sabor das dádivas que rogava, era detentor de um amargo que nem bem explicava, pelo que por isso, em boa hora os deixei.
O borrego assado no forno constitui invariavelmente o repasto, rodeado de batata e arroz branco, regado com um bom tinto, e rematado com broas de mel e vinho do Porto. Na porta surgem crianças com sacos de atilho, que há anos se usavam para comprar o pão, e que recolhem ainda hoje o de Deus, a um de Novembro, invariavelmente, simbolismo católico que deveremos cumprir, sob pena de castigo divino, como a ausência da fartura no ano novo que se avizinha.
De véspera, na noite que se diz ser pertença dos finados, rumam procissões de candeia acesa em romaria ao cemitério, onde os despojos das gentes que já partiram, recebem rezas, flores e luz. No dia, dos Santos, das broas e do pão por Deus, encontramos pois todas as campas floridas, quer estejamos a Norte, a Centro ou a Sul, enfeitadas de flores secas, plásticas, ou naturais, que dizem a quem lá passa, quais os mortos zelados e quais os que ninguém quer zelar.

Não gosto de cemitérios, não me dou muito a tradições, e complicam-me os actos das gentes.
E actos surgem aqui, tal qual como no Teatro.

Felicidades

Toca o telefone, e atendo, ou não fora um nome simpático o que me surge no ecrã do telemóvel, velho e desengonçado.
Tenho um jornal, uma esplanada, um café bem tirado e um piolho que me salta ao pescoço, a querer saber a distância da hora que o levará ao cinema, às pipocas e ao Gru Maldisposto.
Tudo me parece simples, e tudo me parece bem. Deve ser mesmo isso, o excesso de simplicidade, a ausência da complicação.
Pena tenho, de nem por isso conseguir estende-la à plenitude dos dias, que nos outros, em que isto, ou algo do género não me chega, sou muito menos feliz.

sábado, 23 de outubro de 2010

Caminhos

Cruzo no caminho inúmeros carros.
Os enfeites, de tule rasco amarrados com nós cegos nos espelhos, dizem-me do que se trata, e para o caso de duvidas haverem, de que alguém neste dia, nesta terra e àquela hora acaba de se casar, surge-me a noiva no fim, dentro de um carro descapotável, ao lado de quem por certo será o noivo. Fico ali presa, sem ordem de passagem, coisa que me ocorre mais vezes em funerais, mas que hoje se revelou num casório, que poderão até julgar ser menos ofensivo, ao que vos digo que estão redondamente enganados, que nem uma nem outra me satisfazem particularmente.
A estrada está estreita, devido às obras nas bermas, não vá iniciar-se a estação das chuvas, sem tal tarefa estar cumprida, seria um assunto sério, facilmente condenável pelas gentes da aldeia, que ganham os seus dias para analisarem a fundo as mais diversas tarefas da Autarquia e Juntas de Freguesia, e há erros, que nem se toleram. Não neste ano preciso, 2010, que surgiu imediatamente depois de 2009, ano em que por mor de um descuido, muitas bermas resvalaram, deixando à mercê das intempéries as casas postas na beira da estrada, fraco lugar para se morar, mas que por ora, habitado está, nada havendo pois a fazer-se, a não ser o cuidado, que este ano cedo começou, um bem hajam a quem dele tratou.
Está tudo isto muito certo, que as gentes têm razões de valor, que a obra tem de ser feita, as chuvas têm de ser escorridas, as valas têm de ser varridas, tudo isto, enquanto alguém da terra se casa, porque também isso tem de ser feito, sendo que poderemos até considerar, que nenhuma ligação se encontra entre tais factos, seria o mais correcto, se neste mundo não estivesse tudo intimamente ligado.
Temos por exemplo algo que pouco pode importar, mas que não deixa de ser digno de referência, e que trata o estado interno de quem se possa encontrar, dentro dos largos carros que esperam, entre os quais o meu, que num lado vêm a berma, suja e encardida, e do outro a felicidade do casal, acabado de se casar.
A festa passou, os outros passaram e eu passei também. E nem por isso gosto de valas, casamentos e longas esperas.

Lado B, e a importância das palavras

No Lado B sentou-se Pedro Paixão. O ar igual ao de sempre, frases encadeadas ou não, umas em molde de encaixe, outras perdidas e soltas, de tão isoladas em si.
Encontra-se a escrever um novo livro, ao qual vai chamar qualquer coisa alusiva ao tema, de matar de novo algo, que, e muito embora nem tenha especificado e bem, que a nós chegará quando assim tiver de o ser, me diz que tratará o amor, como de resto tratam a maioria das suas obras, que nele se concentra numa ambição desmedida, quiçá de compreensão, quiçá de busca, como ele próprio profere.
O sentimento que assim se denomina, o amor, doce e poderosa palavra, que antagónicamente se nos apresenta amiúde sob a forma de dor, tem destas coisas, que matá-la, num desafio à palavra, poderá nem nunca ser definitivo. Matar um ser vivo, algo que se liga a uma qualquer fonte física e manifesta, quer seja uma planta, um animal, um ser humano, permite uma eficácia concreta, fenómeno que a ser praticado, nos permite usar a expressão que tanto venero, de cortar o mal pela raiz, pela impossibilidade de dali se surgir de novo, que nem por isso há renascimento após a morte do cordão essencial. Nos nossos sentimentos, também em outros, bem certo, embora por ora fale de amor, a precisão está longe do nosso alcance, que poderemos até, num acto de força, coragem, vontade ou desilusão, julgar matá-lo, morte essa que será sempre débil, fraca, susceptível de retorno, ou seja, não é morte nenhuma.
A bem ser, arranjaríamos outra, que a substituísse, que nos permitisse a nós, seres humanos, carecidos de apelidar com palavras fortes as nossas tormentas internas, apelida-las, mas que não nos traísse, que dou valor a essas coisas, e que definisse, de forma genuína, o que realmente praticamos ao tal do amor.
Qualquer coisa entre adormecimento, arrumo, descanso. Morte é que não.

Ainda assim, e num jogo de palavras que a mim me fascina, o autor irá por certo matá-lo, de novo, como ele próprio diz. Quem sabe, nos urge mesmo usar o termo, que em tempos de luta, ou luto, que até talvez aqui se aplique melhor, o poder de expressão usado tem uma influência quase absoluta, pelo que também eu já matei amores.
Para sempre ou não, é coisa que nem importa. A ser caso disso, matá-los-ei então outra vez.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Incompreensões



Ele nem percebe porque é que eu gosto tanto disto.

Eu, honestamente, também não.

Erros na perfeição

Quase em elogio de loucura, julgamos perfeita a Natureza, dizemos por aí até, de boca cheia e desinsofrida, que ela sabe o que faz, lemos quem a venera, quem lhe estuda a evolução, quem lhe conhece os segredos, e julga-mo-la assim, capaz de tudo, como se numa elipse coesa esta se regesse, quando nada assim acontece, que em muito nos falha, em muito nos falta, em muito nos erra. Nem propriamente me julgo capaz de desafia-la, que perfeita, imperfeita, o que quer que seja, que de resto, nem me cabe a mim avalia-la, assume-se perante nós como detentora de um poder infinito, de uma sapiência que a nós nos foge, comuns mortais, a quem nos chega, ou deveria chegar, o entendimento da nossa própria existência, pelo que sensato, seria esquecer o resto, para que outras superioridades entendam, expliquem, analisem.
Ainda assim, encarando evoluções, adaptações, leis que a tal da natureza nos impõe e nos sujeita, nem bem encontro encaixe para aberrações que teimam em surgir, como dois seres que nascem pegados, um ao outro, partilhando órgãos vitais. Tudo para nos dizer, que nem encontro outra serventia, que a tal da Natureza também se engana, também erra sem sentido, sem lógica ou objectivo, que nem bem sei o que nos pode dar, em crescimento ou evolução, tão dramática situação, que assim surge em Países diminuídos e frágeis, embora verdade seja dita, que surja onde surgir, encontrará fragilidade à volta, que por si só encarregar-se-á de a instalar, tal a impotência em que nos deixa.
Nem bem sei que sentirão pais, a quem se afigura tal desafio, que para além da cruel, dolorosa e pesada carga da perca, acarta ainda o insólito da raridade, que por certo acenderá a revolta, o transtorno, a indignação.
Resta-me crer, que o sofrimento sentido por estes pequenos seres pegados e indefesos, nem por isso tenha sido muito severo, mas ainda assim, mesmo enquadrando tais falhas em terreno ameno e brando, do qual me socorro para meu sossego, sem conhecimento real da sua existência, renego-lhe a utilidade. Porque sim.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Desilusões

Nem sabe bem aonde a arrume, que a desilusão é mais ou menos isso, um sentimento nefasto, de uma defraude inesperada, que sempre surge de onde nem se espera, que a esperar-se, nem se atingiria o estado pleno de si. Já a vi em diversos olhos, chegando até a senti-la nos meus, quando não me resguardo, quando me deixo ir em fraqueza declarada.
Ela lia um livro enquanto aguardava, que ele deveria chegar em qualquer momento, sempre chegou, e a não chegar, algo se passaria, sendo exactamente aqui que entra o hábito, aquela coisa que se instala em nós, que nos faz rotina, precisão, do ser sempre assim, no mesmo sítio, na mesma hora. Pelo que quando a falha aparece, a única ocorrência palpável em mente, a única ideia possível, plausível, ou outros nomes que a definam, não vá por falta deles perder-se significado, é que algo de horrível possa ter-se passado, algum impedimento atroz e de potência extrema, que só isso permitiria, que o hábito de sempre, assim se esvaísse em cinzas, sendo este o exacto sentimento que lhe sobe, imediatamente antes da desilusão, como se esta por si só não bastasse, e a pobre tal castigo previamente merecesse, o da preocupação. Ao invés de se lhe permitir, numa explicação directa e concisa, o acesso ao fraco amor que já lhe tem, ou qualquer outro nome que explique, que amor já nem é bem aplicado ao caso, sendo palavra por demais bela para se usar aqui, em tão débil sentimento.
Ouço e soa-me assim a obscenidade, palavra que poderá considerar-se forte, mas que a mim, tanto sentido aqui manifesta, que só sentimentos obscenos, impuros, ou outra, de forte e negativo significado, se podem aqui aplicar, em quem assim fere sentimentos de expectativa, antecedidos por outros de cariz igualmente forte.
Julguei em tempos, que a pureza humana, ainda que nem realmente possível, fosse uma miragem quase real, em que as gentes poderiam agir em respeito ao próximo, ao seu sentimento, à sua ambição e vontade. Terrível inocência a minha, quase tão terrível como a que encontrei nos olhos que liam, numa espera de angústia superior ao razoável, de quando se espera o que está para vir. Ele nem por isso veio.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Particularidades


Nós com umas, eles com outras (falhas, handicaps...). As nossas agora nem vêm ao caso, pelo que vamos às deles. Aguentam a beleza. Aguentam a inteligência. Cada uma em seu canto, e em seu devido lugar. As duas juntas formam um sério problema, salvo as devidas, obviamente. Quanto a isso, somos perfeitas. Aguentamos a parelha sem pestanejar. Ansiamo-la, diria até. Um-zero, ganhamos nós.

Histórias de vida

Deu-se pela manhã este episódio. Estava fresco, que os dias de Outono a isso se prestam, que nos presenteiam com dias mornos, pespontados por manhãs e noites de ares frios e fortes, numa inconstância que em tudo nos influência, embora muitas vezes, nem atinjamos a consciência de tal. Limitações que nos cercam, que somos toldados por realidades circundantes, fortaleza delas, fraqueza nossa, nem bem sei que diga, que por externas que pareçam, em nada o são, e podem ser a estação do ano, como refiro, ou tantas outras coisas, por aqui e por ali. Somos de uma sensibilidade exacerbada, chego a julgar, que a termos uma existência mais coesa, menos branda e vacilante, por certo conseguiríamos caminhos mais lineares, que ou éramos bem dispostos ou eramos mal, considerando para isso apenas e só, as pulsões internas, já por si poderosas qb, que por isso, bem nos chegavam. Mas adiante.

Saio da porta e aperto o casaco, que nem me tapa o pescoço, por demais ao relento para o frio que se fazia sentir. Ela passa, sem me ver, ainda gosto da sensação, pouco sentida na pequena cidade, onde por norma quem olha, olha com sentido. É a filha, alta e cheia, de ar forte e decidido que me vê a sério e manda abrandar a mãe, por demais dentro do mundo interior, para ver quem quer que fosse, e como a percebo, que há mundos e mundos e o mundo dela dá que fazer. O seu ar nem engana, que de resto, de há muito sou conhecedora da história, e bem sei o que lhe amarga os dias, lhe desperta as noites, lhe corrói a alma. A filha segue, já em atraso para a escola, e ela queixa-se do mesmo que a atenta, já desde há uns meses. Nem bem sabe que faça à moça, em apoio lá na escola, mas que apesar disso, nas horas vagas, lhe escapa de casa, muitas das vezes na ausência dela, que trabalha em limpeza de sol a sol, e o marido, nem bem se aquieta com o assunto. Ultimamente por lá, até já há quem lhe diga, que anda na má vida, que a filha se deita com Homens por dinheiro, explica-me a medo, não vá ofender-me. Não me ofendi.
Ouvi-a, arrisquei alguns caminhos, longe do ideal, que quando as mentes jovens entram em ambição desmedida, sem suporte interior para lutar com coerência, nem por isso é fácil inverter-lhes o caminho, e é com uma debilidade angustiante, que assistimos a percursos perigosos, por demais perigosos.

Já há algum tempo, que não me sentia impotente, assim, tão ao perto. Nem por isso gosto, e para além disso o dia por cá continua frio, recheado de um sol enganador e fraco. Um desconforto.

Felicidades

Na televisão, agorinha mesmo, encontrava-se um casal risonho, muito feliz, desde que a digna senhora, se resolveu a aplicar implantes de silicone nos seios.
Afinal a felicidade até é uma coisa fácil, e sou mesmo eu, que complico tudo.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Ingratidão, para usar palavra branda

Toda a vida mandou, que nem outra coisa consegue fazer, tendo até uma praceta em Angola de seu nome, que foi governador em terras longínquas, merecendo por isso tal distinção. Na decorrência de um Acidente Vascular Cerebral, vulgo trombose, que o limita ao infinito, nem bem mastiga, nem bem fala, mas consegue berrar, mandar coices e desdenhar, como toda a vida fez aos pobres que escravizou, em quem mandava sem dó nem piedade. A dependência aguçou-lhe ainda mais a ruindade, dizem as filhas, pobres criaturas, que se viram sujeitas à sua voz de comando, que quando era apenas e só voz, já elas se davam por contentes, que havia dias, muitos a bem da verdade se diga, em que a voz por si só nem parecia chegar, pelo que se munia da bengala para que o trabalho saísse perfeito. Não saiu, mas enfim, é só um aparte.
A mulher, que a ele se dedicou, com extrema dedicação e devoção ilimitada, sujeitou-se também ela, aos tratos que bem entendia dar-lhe, que segundo se conta, de meigos, nada tinham, que mulher era para servir o Homem, zela-lo e acudir-lhe as mais diversas necessidades, apenas e só. Já por cá nem se encontra, que sucumbiu de doença má, daquelas que atacam sem dó nem piedade, muitas das vezes, quem por cá muito já sofreu, como se o destino, fosse coisa cega e injusta, que muito castiga os já castigados, presenteando com longas vidas, os que sempre foram bem fadados. Nem há quem o entenda.

Hoje chora por ela com lágrimas que quase dão pena a quem as vê escorrerem-lhe dos olhos, que os soluços do choro desesperado assolam-no com toda a força, ao ponto do descontrolo ser tal, que com frequência surge o grito incontrolável, que dá vontade de afagar a cabeça branca e esquecer as atrocidades que lhe saem da boca de quando em vez, muita vez, diga-se assim, a fim de não se faltar com verdade ao discurso. Também eu já tive bem chegado a mim, algo muito parecido, quase igual, mais coisa menos coisa, posso dizê-lo. Bem sei que amar mortos, é do mais fácil que há no mundo, que não chateiam, não reclamam, não reivindicam, apenas e só se chora por eles com um amor dito maior, quer se tenham cuidado em vida, quer se tenham desdenhado até ao infinito. Ainda assim, julgo ir além. Julgo incluirem-se tais atitudes, que quase nem compreendo, na falta que atribuímos ao que desaparece, que quando temos no regaço, quase esquecemos o quanto nos vale. Ingratos, é o que somos, que quase todos pecamos por isso, embora o possamos fazer em menor escala.

Ainda assim, num remate conclusivo que se impõe neste discurso, nem bem sei até que ponto, quem por cá fica em moldes assim, não sofre um castigo pesado, que chorar mortos nem será fácil, e o remorso, talvez até ande por lá. Ou então nem anda e eu julgo que sim.

Dos filhos, da Luana e outras histórias

Luana tem seis anos, uma mãe e um pai toxicodependentes. Não tem avós que se conheçam, e tem uma tia, já de alguma idade, que diz não ter estrutura de suporte para ela, uma criança, que de tanto necessita. Está ao encargo de uma instituição desde bebé, com uma fraca presença parental, que faz aquilo que costumo chamar de apoio ocasional, do quando dá, quando apetece, quando calha. O pai está em tentativa de reabilitação, não tem emprego, e a reabilitação está difícil. A mãe continua toxicodependente, sem sinais de qualquer evolução positiva. A tia, embora não possa ajudar, indigna-se com o facto da Instituição falar agora em adopção. Porque a adopção implica um afastamento real e concreto dos pais, e a integração numa família que lhe possa dar uma vida adequada, mas longe. Porque iriam perder-lhe o rasto, e as referências parentais, por fracas que seja, dever-se-iam manter, ressalva-me a tia, de ar indignado. Eu, que também tenho direito à indignação, indigno-me com o facto de se poder considerar que o centro do problema são os pais que perdem o rasto à filha, aquela, da qual se lembram de vez em quando. Quando dá jeito, quando calha, quando passam, por mero acaso, na porta do lar. E não a filha, institucionalizada desde sempre, sem colo efectivo de onde este deveria surgir. Indigna-me ainda, e volto a dizer, ao abrigo do meu direito à indignação, com o facto de ser necessário esperar seis anos, para se pensar dar uma família à Luana, e a tantas outras Luanas por aí.
Nem podemos encaixar tudo, e ainda bem que assim é, que os sentimentos nefastos poderão ser de tal ordem, que a experimenta-los todos interiormente, decerto colapsaríamos de dor. Percebo pois a ignorância das gentes, sobre o que é estar à deriva num mundo, que ao invés de dar oportunidades, amor e segurança, dá dor, abandono e solidão. Percebo ainda que não encaixem, o que povoa as mentes daquelas crianças, quando nos olham de olhos lacrimejantes, cravejados de uma esperança que se esvai devagarinho, quando percebem no final da tarde de Domingo, que o pai que era para vir, não veio. Até percebo tudo isso, e ainda que não tenham estrutura suficiente para ajudar. Deixem-se é de indignações da treta, e permitam encaminhar para uma vida decente, pequenos seres que dela necessitam.
Porque uma criança de tanto necessita, chegou a dizer.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Afagos

As mãos dela, pequenas e frágeis, pegam no rosto dele, grande e rude. Fundem-se assim, duas realidades, tão distintas fora, mas tão iguais por dentro, coisa estranha por assim dizer. Ou então, não é nada estranha, e apliquemos então aqui outro nome.

Filme


Entro e a sala estava cheia, nem acontece muito, que as salas meias ou quase vazias acontecem muito mais. Gente misturada em idades, estilos e géneros, nada a ver com as sessões da tarde que frequento muito mais assiduamente com o pequeno Homem lá da casa, pejadas de miúdos até ao tutano, com uns pais enfadados lá pelo meio.
Sento, tiro o óculo da bolsa, limpo com cuidado as dedadas que lhe inflijo a toda a hora, e aguardo. Nada de pipocas barulhentas, pontapés na cadeira ou outros incómodos perturbadores. Um sossego.
Felizmente, a publicidade foi curta, que nem tenho grande afeição por ela no inicio do cinema, vale-me apenas e só, na salvaguarda de algum atraso, que por vezes me acontece. O Filme, Eat, Pray and Love. Não li o livro, nem nunca tive curiosidade em fazê-lo, que encaixa num género que nem me atrai propriamente, mas ainda assim gostei do filme, ligeiro e leve, mas com alguma arte em despertar emoções.
Uma Mulher que escolhe deixar a tranquilidade que a circunda, pela busca dela mesma, em diferentes destinos, o que não deixou de me fazer pensar muito além do filme, que isto de nos encontrarmos tem que se lhe diga. Não deixa porém muitas vezes, de ser um assunto esquecido, no meio da procura de um outro que nos preencha, muito antes de sabermos o que queremos realmente, como se isso, não fosse chamado ao caso, e apenas o que nos é dado nos valesse.
Um desperdício de tempo, energia e outras grandezas, que jogamos fora ao desbarato, apenas e só, porque não sabemos de nós, e ainda assim, não nos procuramos. E ali ficamos, sem conhecermos o que verdadeiramente gostamos, o que ambicionamos, o que conseguimos, enfim, uma panóplia de coisas fundamentais, mas esquecidas, o que faz com que tantas vezes ajamos por impulso, quando poderíamos agir por vontade.
Nem sei se me encontraria assim, num prato de massa, nuns cantares alucinados, num amor idílico, que de resto, o filme é só um filme, simples, muito mais simples que a nossa mente.
Ainda assim, não deixa de ser um bom ponto de partida para nos fazer pensar, de forma amena, no nosso real papel.

domingo, 17 de outubro de 2010

Idalina, ou de como a espera também pode ser vida

Chego e lá estava ela, Idalina, que arranjava as unhas encardidas enquanto aguardava que a cabeleireira terminasse o penteado armado da Senhora de setenta e muitos. Ela bem queria mantê-las brancas, mas a lida do dia a dia nem isso lhe permite, pelo que é com obrigação de devota, que todos os santos Sábados as limpa, as apara e arredonda, a fim de deixar em suas mãos, o ar cuidado e apresentável, exigido a uma Senhora de bem, que isso, ela será até à morte, venha quem diga o contrário.
Enquanto lhe limam as unhas, vai-se queixando baixinho, num ritmo lento e constante, quase parecendo, que a lima da manicura, lhe solta a língua a cada passagem, nem era preciso, que Idalina solta-a em qualquer esquina, em cada paragem, a cada ouvido que a escute, ou até que a oiça, que ela já nem bem ambiciona a escuta, difícil de encontrar, para não dizer impossível.
Já o ouvido, órgão isolado e sem vontade própria, mais não pode fazer do que ouvir, quando ela se abeira das gentes que podem até divagar longe, mas que lhe deixam o dito aberto e disponível para o exercício de sua função, pelo que isso lhe chega, independentemente do resto.
Até porque o que ela precisa mesmo, a toda a hora e a cada minuto da sua malfadada existência, seja para um ouvido, seja para uma mente, seja para um cão ou para um gato, ou seja até, quiçá, para uma parede morta e muda como mais nada , é de repetir o que já há muito repete, e que trata dela e do marido e da mulher que lho levou, à revelia do pobre, que mais não conseguiu do que deixar-se ir.
A cada palavra, em cada dia, acrescenta um pormenor e retira outro, encontrando sempre uma nova justificação ou fundamento, que o desculpe, que o iliba, que o proteja das decisões que tomou, em completa inconsciência, que disso precisa para dele continuar à espera. Fora ela não falar no assunto, fora ela deixar adormecer e esquecer, a forma como à traição, aquela Mulher lho levou, e quem sabe lhe ganhava mágoa, podendo até deixar de conseguir continuar na espera, e dela tanto necessita para viver.
Na sua perca, nem vê o que por cá a segure, que os filhos têm vida feita, e ela, por ora espera, numa sustentação débil e fraca, mas suficiente para que respire todos os dias, um a seguir ao outro.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

LUCIANA, com L grande e as restantes também...

Na praça, fica sempre no lugar habitual. A banca recheada de cenouras, alhos franceses, batatas, frutas, e, embora nem as tenha visto julgo-as por lá, broas de mel e noz, feitas a preceito em forno a lenha, que os Santos abeiram-se, e elas deles fazem parte.
Senhoras de idade entram e saem com sacos de compras de rodinhas encastradas, grandes mais valias, que permitem que consigam aviar-se sozinhas, quando a força se esvai e as artroses dão ar de si. Fosse tal precioso utensílio nem existir, e as pobres senhoras dependeriam em tudo de alguém que as acompanhasse ao mercado diário, coisa que nos dias de hoje nem seria fácil, que as vidas correm, e os mais capazes, não têm tempo, nem para si, quanto mais. Compram-nos na loja do Castro, que de resto, já nem é do Castro, homem falecido há muito, mas assim ficou conhecida, que existem nomes de poder infinito, que se entranham no que baptizaram para todo o sempre, venha quem vier, aconteça o que acontecer, não raras vezes, até já em diferentes ramos de negócio, são bons nomes esses.
Os sacos são de quadrados largos ou flores pequenas, que a gente de outrora gosta de flores pequenas. Também minha avó, Dona Maria Carmina, é detentora de inúmeros saquinhos de cosmética floridos, que a perseguem para todo o e qualquer lugar, inundados dos cremes de lhe dão beleza, e lhe conservam a pele imaculada ainda hoje, aos oitenta e muitos, alva como não há. Não lha herdei, nem percebo porquê, já que lhe guardei o feitio atravessado, e ainda outros senãos que nem vêm agora ao caso, poderia ter dado continuidade a esta particularidade interessante, mas nada disso aconteceu, que nasci sarapintada de meter dó. É a vida, e a ingratidão da natureza, que ao invés de permitir dar continuidade a tão bela casta, rara como só ela, fez com a pureza se misturasse com a negridão das peles curtidas, sendo que a descendência é toda ela trigueira e encardida.
Luciana, também ela de ar trigueiro, distribui sorrisos enquanto ensaca as cenouras, os hortos e os alhos franceses, daqueles com barba, nada do que se vê por aí, em Modelos ou Continentes, capazes de nos deixar a sopa deslavada, ou pior, engrumada, que de tanto serem guardados e refrigerados, perdem a delicadeza para se tornarem ásperos e nada agradáveis, um horror, ao qual só me sujeito, porque também a mim me foge o tempo, caso contrário, era ver-me em direcção à praça, não digo de saco de rodinha encastrado, mas quem sabe de cesta de verga comprida, que não há coisa mais linda que cestas de verga cheias de delicias, que podem ser legumes ou bolos, queijinhos secos de cabra, enchidos ou outros acepipes.
Desde sempre que vende na praça, sendo esse o seu sustento, que o marido é doente e acabado há muito, não fora ela e a sua força, e nem sei que teria sido dos seus dois filhos. Teve três, mas um foi-se-lhe embora cedo, que escapou da mão do pai na beirinha da estrada da terra, onde os carros, na mexa, apesar dos avisos contra, ceifaram ainda outras vidas, todas elas preciosas, ou não fossem vidas e bonda.
Julgou-se perdida para sempre, que na sua boca era Mulher fraca, sendo que o desgosto tomou-lhe conta da existência, mas esta, nem se sabe por que meandros, devolveu-lhe a energia que lhe consumiu, vinda não sabe de onde, sabe apenas que veio e que foi bem vinda, que de outra forma tinha sido o fim, dela, dos filhos e do marido, embora esse, pobre de Cristo, nem estando no fim, quase lá está há muito.
Deve ser mais ou menos isso que li hoje num lindo texto da Antígona, que fala de fraquezas e fortalezas. Luciana, sempre sábia, ainda hoje apregoa a fraqueza, quase tão alto com o pregão lá da praça, que quase morreu na perca do seu rebento, tal o tombo que levou. Foi a vida, malfadada seja, que a tornou forte, que nem outro remédio lhe deixou, sendo que teve de renascer de novo, desta feita, muito mais tesa e empedernida.
Fosse ela já forte, e nada disso tinha sido preciso.





quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Delícia

E enquanto esperava no consultório, encontro numa revista uma receita de Tarte de Queijo fresco. Veio comigo, escrita num qualquer panfleto.
Na revista falava-se ainda, entre outras coisas, do novo amor de Elsa Raposo. Um aparte, que me pareceu digno de referência.

Tamanhos

Bem cedo, no café matinal, vejo duas Senhoras da terra, que tomam o pequeno almoço com calma, enquanto em redor se corre.
A meio do dia, num Tribunal, a calma reina nas caras das gentes que trabalham a um ritmo lento.
De fronte ao terminal rodoviário acumula-se gente pedinte, nem bem nunca percebi o real motivo que leva miséria às estações de transporte. Uma corrente psicanalitica, diria ser a vontade de fugir de algo, e eu talvez até diga o mesmo. Uma mulher, bem na entrada fuma cigarros seguidos uns nos outros, enquanto um cabelo preto desgrenhado lhe cobre a cara mirrada. Na sua volta, uma mochila verde, que nem sei o que alberga, mas que ela guarda junto a ela com uma vontade de ferro, não vá a dita escapar. Bem ao lado, algumas crianças de uma mesma mãe berram desenfreadamente. A mais pequena, ranhosa e suja, chora enquanto aponta para o bolo que a mãe devora sem lhe dar. Esta doeu-me, confesso.
Sigo.
No consultório médico um casal com um bebé recém nascido. Ostentam marcas em cada peça, desde a mala, ao sapato, à cadeira da criança, que se encontra vestida com um fato compridissimo que a cobre bem além do seu tamanho.
Uns são grandes, outros pequenos, e eu não há meio de me habituar a isto. Habituada, até talvez esteja. Ambiciono, quiçá, alguma indiferença.

Vitórias

Adelaide é cá das minhas, mas de outros tempos. Os outros tempos têm que se lhe diga em posturas, acções e outros que tais. Acha por bem levar a vida aonde entende, nem gosta que a escolham por ela, como a compreendo. Ainda assim é dona de espírito sofredor, coisa que a mim, já não povoa. Do jurou pagou, e de cabeça erguida. Prova viva, de que em tempos idos, a palavra se cumpria cumprida e não fingida, como muito se cumpre agora, isto quando não se renega.
E se daí advém sofrimento e martírio em exagero desinsofrido, e muitas das vezes injustificado, pelas agruras a que se sujeita, apenas e só para levar a sua palavra em caminho, daqui também advém um compromisso real, que hoje, tanto nos falta por aí.
A liberdade tem destas coisas, quando nem sabemos lidar com ela, e a usamos apenas e só em prol de nós, dos nossos interesses e das nossas vontades. Deveríamos ter aprendido a vivê-la com o respeito ao próximo, que isso sim, teria sido uma grande vitória, mas ficamos aquém, que de resto, de perfeitos nada temos. Ainda para mais, que o respeito ao próximo nem se faz de ânimo leve, que exige esforço, que muitas das vezes gastamos a nosso belo prazer, muito mais bem gasto e prazeroso.

Temos dois limites, portanto, e a pura manifestação, de que o meio virtuoso, nem é de tão fácil alcance.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Neve

A NEVE (a)

Batem leve, levemente,
como quem chama por mim...
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim...

É talvez a ventania;
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...

Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento, com certeza.

Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
Há quanto tempo a não via!
E que saudade, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...

Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
de uns pezitos de criança...

E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
- depois em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...

Que quem já é pecador
sofra tormentos... enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!

E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na natureza...
– e cai no meu coração.

Augusto Gil - Luar de Janeiro, 1909
Tenho dias, vá lá saber-se. Alguns de memória intensa, recuos ferozes, sensações fortes. Havia quem me recitasse este poema, que quase sabia de cor.
Perdi-o há tempo, encontrei-o por acaso. Apaixonei-me outra vez.

13 de Outubro

Nem bem sei que sentirá alguém que vê a rua após longa ausência, que internamente, o que muito julgamos saber, consciencializamos ser falso ou insuficiente, quando nos encontramos perante a realidade imaginada, um só sei que nada sei, aplicado em inúmeras realidades, e aqui também. Olho a euforia estampada no rosto de um Mineiro que vem ao de cima, e tento perceber o que lhe escapa do sorriso, da euforia emanada, dos abraços emotivos. Nem bem atinjo, mas julgo ser grande.
Num dia de crença, em que por cá se reza, o milagre deu-se no Chile.
E deu-se ali muito bem.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Tristezas

Dona Antónia está triste. Está triste porque perdeu o marido, companheiro de uma vida, daquelas felizes, julgo nem existirem já muitas assim. Casou cedo de casamento cumprido, vá lá, teve sorte, que se afeiçoou a José com um amor que muitos nem conhecem. José foi marido dedicado, bom pai de família, trabalhador esforçado, que pão em casa nunca faltou. Antónia lidava em costura, que sempre era uma ajuda aos ganhos do marido, e dizem por lá na aldeia, que nem havia, ali e nas redondezas, modista assim, que de suas mãos surgiam verdadeiras obras de arte, sendo inclusive autora do manto que cobre a Santa na procissão, tamanha honra a comunidade lhe deu, que o bordou e costurou com uma dedicação como não há, que a Santa, padroeira de sua terra, até lhe tinha dado graças, pelo que só a deleitou, a realização de tal obra, perfeita, diga-se, em abono da verdade.
Ainda em novo partiu José, de filhas já criadas, acomodadas por sua própria escolha, que isto agora é assim, escolhe-se, escolhe-se, e mais se erra, é o que é, que por sua boca, nem já por cá existem amores como o que ganhou a seu José, tão puro e imaculado. Suas filhas já não o tiveram, muito menos terão as netas, moças de agora, que ao invés de valorizarem o trabalho e a honra, nem bem lhe conhecem o valor, sendo que acatam qualquer desgraça que lhes acene, de olhos malandros e ar gingão.
Talvez por isso ninguém entenda a sua tristeza, que por dorida que seja faz parte de si, que a tristeza é inerente à vida, ainda para mais à vida de quem perdeu tão grande amor, que não mais o verá, nem mais o sentirá nos seus braços, pior de tudo, não mais o cuidará, coisa que a aprazia muito. Que a deixem, triste quando as saudades apertam. Não há quem lhas tire.

História de alguém que conheço

Porque a tristeza faz parte da vida, e existe por aí quem nem bem entenda isso.
No meu parecer técnico, o abuso de antidepressivos que se verifica actualmente, dá-se, essencialmente, devido à ausência de orientação efectiva, e na tentativa de camuflar um estado de tristeza, que se renega, mas que só é patológico em determinadas dimensões.
A depressão é uma doença, a tristeza é um processo natural. Há que diferenciar. Curar a primeira, se for caso disso, aprender com a segunda, que para nosso pesar, tanto nos ensina.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

...


Quando quero uma coisa muito muito, sou capaz de sentir-lhe o cheiro, e agora cheira-me a broas com mel. Lá na aldeia faziam-se no forno a lenha, estas e outras, que se rematavam com pinceladas de ovo, antes da cozedura. Nem sei bem a que me cheira mais, se a massa lêveda, se a broa acabada de cozer. Um empate, portanto.

Pais ao longe

( Kramer contra Kramer)

Leio uma notícia sobre mães que levam filhos para longe.
Partilhar educações é o cabo dos trabalhos. Debaixo de um mesmo tecto, sob o desígnio de um casamento ou outro de igual validade, pode já ser difícil. Quando os destinos se afastam o caso piora consideravelmente. O bom senso seria o ideal, mas é pedir muito, por certo que sim, que em tanto por aí falta, andando amiúde crianças no meio, que ao invés de encontrarem sossego em quem as deveria proteger, encontram ameaça, chantagem e instabilidade. Bem sei que a partir do momento em que duas vidas se afastam, a liberdade de poiso e acção é uma realidade, e sei do que falo, não o faço de cor. Mas sei também que a existência de um filho em muito nos tolda, que a partir do momento em que um ser frágil depende de nós, a nossa liberdade condiciona automaticamente, quer se queira, quer se não queira.
Bem sei também que o mundo é de oportunidade, e que por vezes, meandros profissionais ou familiares podem ditar destinos diferentes, longe de um dos progenitores. Ainda assim, uma análise concreta deverá ser feita, no sentido de aligeirar as sequelas que possam surgir, e que de resto, muitas vezes surgem também em filhos de casais juntos, que por razões diversas habitam distantes.
Preocupam-me, e essas sim, são as verdadeiramente perigosas, as situações em que as crianças são afastadas de um dos pais de forma violenta, não raras vezes com cariz de vingança, qualquer coisa como foste-te embora, agora aguenta. Façanhas do género surgem aqui e acolá, carregadas de ódio e sem a mínima consciência dos efeitos nefastos e irreversíveis que poderão deixar nos filhos, dado que também eles aguentam.
Deviam tê-la. Os filhos são para criar, autonomizar e amar, nunca para usar. E nem sei com há gente, que não abarca isto.

domingo, 10 de outubro de 2010

A Rainha

Deambulava-se pela escola com um ar meio alucinado, ninguém bem percebia o que lhe povoava a mente. A grande telenovela da altura, vinda do Brasil, como de resto, ainda é hábito hoje, tratava de várias histórias de mulheres, uma delas era Guta, uma morena alta de cabelo curto, cheia de estilo e savoir faire. Resolveu retratar-se nela, com um quinto do estilo, nenhum savoir faire, e muita desorganização interna, que eu, embora detectasse, nem bem a sabia classificar, e por isso, apenas a apelidava de tonta. Provinha de uma família disfuncional, que há por aí quem não goste do termo, mas a mim faz-me sentido, que famílias em que as junções existem à força sob a fragilidade, não funcionam ou funcionam mal, e nada melhor para as classificar do que este termo, concreto, conciso e certeiro.
O pai sofria de uma qualquer perturbação sexual, que nem nunca bem entendi qual, e a mãe, uma submissa, com quatro crias no redor, submetia-se aos desejos do marido, e confidenciava à filha mais velha, as atrocidades a que se sujeitava, ao que ela ouvia e a aconchegava, que de resto, nem mais podia fazer-lhe para além disso. Era forte, dizia-lhe a mãe, que nem bem se apercebia da fragilidade que já emanava, fora de casa, em sociedade, dado que no seio da família, assumia papel de protectora, o que a catapultava aos pícaros na consideração conseguida.
Um dia acordou bem cedo, após uma noite de balbúrdia familiar e julgou-se a Rainha de Inglaterra, ninguém mais poderia atingi-la, que agora, era grande e forte a sério, grande em figura, grande em porte, grande em Excelência, que Rainha é Rainha, nem sequer é para qualquer uma.
Em aflição perante tal desaire, a pobre da mãe insistiu leva-la ao Médico, que na sua fraca sapiência em saúde mental, soube dizer que a situação se impunha grave, e que merecia estudo detalhado. O pedido de consulta à Psiquiatria, dada a urgência demonstrada, surgiu breve, e o diagnóstico deu-se. Esquizofrenia.
Dai até hoje, já a soube em muitos locais, já foi mãe, continua filha. Nos entretantos, e na fragilidade interna, ausentou-se, deixando o filho aos encargos do pai, que altos voos tinha sonhado para si, nada a ver com o que agora dispunha, uma mísera família, normalíssima e sem grandeza, e um conjunto de comprimidos a tomar diariamente, que nem lhe apetecia tal rendição.
É uma das muitas pessoas doentes mentais perdidas no Mundo. Hoje é o dia delas, e parece existirem soluções à vista. Oxalá surjam, e encaminhem esta e outras loucuras, há muito desprotegidas.

Meandros assim

Apesar da chuva, ou talvez por ela, a cidade estava às compras. Num corrupio de cestos vermelhos, dezenas de pessoas enchiam a casa, que estaria provavelmente vazia de tudo, tal as quantidades de bens alimentares que punham nos cestos, que de tão cheios, seguiam de banda. As funcionárias, de bata branca e avental vermelho, corriam pelos corredores, munidas de caixas que repunham a uma velocidade tremenda, a fim de darem vencimento à sede das gentes que comprava desenfreadamente. Pode parecer fácil, mas nem deve ser, que bem lá no fundo, a supervisora olhava com ar de poucos amigos, a rapidez ou a lentidão da reposição efectuada, prestes a intervir em caso de frouxidão.
No meio da confusão avisto-a ao longe, já nem a via há muito, embora me lembre sempre dela. Ficou-me para a vida a memória, juntamente com algumas outras de imagem tão nítida, que nem são muitas, são algumas, as suficientes diria, que os ensinamentos surgem assim, disto e daquilo que nos fica cá dentro, que vamos arrumando calmamente até tudo nos fazer sentido. Ou quase tudo.
Corriam os anos noventa, e na Escola Secundária faziam-se festas. Eu tinha um aparelho nos dentes, feito em ferrinhos finos que me empurravam a dentadura superior para trás, que a malvada resolveu nascer adiantada, e ainda em cima encavalitada, terrível, arrisco dizer. A minha paixão, era um rapaz de olhos verdes, franzino e não muito alto, que pingava amor pelos corredores da escola, e que não me ligava a mínima. Tinha umas pestanas encaracoladas até ao infinito, e uma lábia própria de quem sabia muito bem levar a água ao seu moinho, hoje já desconfio, que isso nem é um predicado.
Eu era por essa altura uma pateta um tanto ou quanto sonhadora, que construía filmes dentro da minha pobre cabeça, ao som mágico das músicas da moda. Vestia umas calças de ganga, conjugadas com blusas de lacinhos e sabrinas pretas, e abanava o cabelo enquanto dançava, juntamente com outras vinte iguais a mim, mais coisa menos coisa.
Ela, a tal que agora vi e que me povoa as memórias, tinha por norma outra indumentaria, que as pernas isso pediam, os decotes generosos até lhe assentavam na perfeição, e a moçoila sabia-o bem, pelo que toca de mostrar o que Deus lhe deu, que este nem é assim tão mãos largas, sendo que o melhor, é aproveitar o que se tem e mostrar tudo bem mostrado enquanto se pode, mal ela sabia, a razão que tinha.
A dada altura, a música do momento inicia e o delírio instala-se ao som de Losing my Religion, dos REM. É exactamente aí, que a minha paixão platónica se agarra naquela moça descascada, e a beija bem defronte à minha pessoa, tão sabedor que era do meu amor por si, tamanha afronta me fez, que até lhe perdoava a indiferença, mas a provocação era de mais para mim.
Ontem avistei-a então. De cesto atafulhado, e atafulhada também ela, até ao pescoço, que a idade não perdoa, e o que com tanto orgulho mostrava, agora com vergonha esconde, é o que lhe resta, dizem por aí que é a vida.
Passo descontraidamente, e vejo que me mira de esguelha, pelo que a olho e lhe dou um sorriso. De olhar tímido retribui-me, enquanto roí uma unha e concerta os óculos grosseiros, empurrando-os mais para cima do nariz, enquanto o franze num desconforto declarado. O de olhos verdes, nos entretantos foi meu marido.

O mundo não pára, concluo. As verdades de hoje assumem-se de uma fragilidade tamanha, que num ápice se tornam em outras verdades, também elas frágeis como só elas. E assim sucessivamente.

sábado, 9 de outubro de 2010

Memórias

Há dias que se assinalam para sempre, que marcamos a ferros cá dentro, que ninguém mais vê senão nós, mas chega. Surgem assim, a modos que emparelhados, como que para nos dizer que na vida nem tudo são vitórias, e que quando se festeja, alguém se lamenta, e ainda que mesmo em nós, existem dias de festa e dias de dor.
Era minha, que tanto a amava, isto para não dizer que ainda amo, que amo, considerando o possível que é amar quem já nos deixou. Passou por cá e nada ficou igual, que de resto nem bem concordo com aquele poema, que diz que tudo fica igual a cada nascimento, não fica, e só isso justifica o andar do mundo, sempre diferente, em nada igual, talvez se possa dizer parecido.
Era dona de uma força notável, imprópria na sua geração, em todo submissa, pouco ou nada reivindicativa. Achou por bem nem se submeter às regras impostas, mostrando a sua revolta, que não a levou longe, apenas e só lhe marcou os traços de carácter e a imagem que dela deixou. Nem por isso era extremamente afectuosa, que a vida de fome e violência nem lhe deixou desenvolver essa vertente, o necessário, era criar gente forte para a vida, que de carinho e afectos, nem havia quem vivesse, ou pelo menos ela, não o sabia possível.
Lembro-me do sorriso, da força tamanha, que em momentos de presunção julgo ter herdado para mim, dos pastéis de bacalhau com arroz de pimentos, dos fritos feitos na véspera de Natal, depois de amassados e levedados, do sótão onde costurava horas sem fim, e de muitas outras coisas.
Passou por cá há uns anos, e num 9 de Outubro deixou-nos a sós, em mais uma provação que a vida lhe reservou, esta por demais poderosa. Ainda hoje nos falta.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Há trinta e quatro anos...

Era manhã. O dia estava de um Outono cinzento, como hoje, mais coisa menos coisa. Ele sai, como sempre, em direcção à labuta do dia, um militar voluntário, que aos dezoito decidiu servir a Pátria, e serviu muito bem. A barriga dela em sossego, apesar das nove luas, nem parecia dar sinais de querer vazar. Rede telefónica nem existia na aldeia, pelo que foi, está ido, que não mais se contacta até ao regresso, no final da tarde, nasça que não nasça, venha quem vier.
Levanta-se a meio da manhã, e a barriga já pesa. Uma qualquer moinha desconhecida atinge-lhe as costas, nem bem percebe o que é aquilo, pelo que se socorre de Rosalina, a Bisa, poderá ela saber do que se trata. Rosalina, mãe de cinco filhos sabia. O bebé quer vir cá para fora, diz-lhe, do alto dos seus setenta, vestes sóbrias e pretas, lenço atado ao pescoço, não fosse o frio apanha-la, que era de coração fraco, dizia ela, que julgo ser mentira tal coisa. Isso são as dores de parto, chamemos então a parteira. Ela, nem se sente muito segura e prefere ir para o Hospital, ao que Rosalina torce o nariz, mas anui. Modernices.
Carros nem haviam muitos por ali, Baptista, o avô saíra para a lida, e eis que aparece Romeu, um tio cinquentão que gostava de pinga, mas dado ser ainda manhã, o seu estado era relativamente sóbrio. Romeu tinha um Renault 5 amarelo, onde ela entrou juntamente com a mala de cartão há muito já feita, e seguiu caminho, contraindo-se amiúde, quase já de minuto a minuto, que o tempo tinha corrido, na procura de saber que dores eram aquelas, na busca de transporte, enfim, percalços morosos.
No Hospital mais próximo foi deixada com a mala, apenas e só, que Romeu regressou à terra. Um tanto ou quanto amedrontada segue o seu destino, ao que lhe aparece uma Freira parteira que trata dos procedimentos. O nascimento estava para breve, e a célere Senhora deu-lhe o andamento devido. Nasceu na tarde, e era menina. Pequena, careca, cabeça de laranja, e choro intenso, foi embrulhada numa manta branca de tricot, feita à mão pela avó.
O pai só soube do nascimento quando chegou no final da tarde, e nem era preciso antes. Tinha tido uma menina, que alegria tamanha, embora um menino fosse o desejo, mas não importa, haja saúde.
Nessa noite a pequena chorou até mais não, ao ponto de ter de ser levada para longe, que sua mãe necessitava descanso, nada era como agora, e a proximidade materna nem era tida em atenção, pelo que foi obrigada a chorar no berço, bem longe do aconchego do seio, que de resto, era seco, e pouco valia.
Voltaram a casa uns dias depois, a mãe de lenço na cabeça, não fosse interromper o recobro, e alguma desgraça aparecesse. Uma cesta de verga comprida servia para aninhar a bebé, que ao invés disso foi ao colo, que a época assim permitia, sendo a pobre tão pequena, ainda poderia perder-se dentro da cesta, antes do fim da viagem.
Na casa, já com electricidade, mas ainda sem água, começou uma nova vida, faz hoje trinta e quatro anos.
A história acima foi vivida por minha mãe. Ela diz que a bebé sou eu.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Desalentos

Recusar o que somos, pela vontade alheia, é de uma tristeza medonha. Toca-me na campainha e abro, ainda sem ter por certo quem chama, fosse a minha mãe descobrir tal faceta, e era bem capaz de me forçar a ir de novo lá para casa, com os dias de hoje, nunca se sabe quem nos pode aguardar na beira da porta, sou uma descuidada, é o que é. Era ela, como eu esperava, a fútil Senhora que me ronda a existência por motivos de força maior, que se arruma ao extremo para agradar ao marido, um cinquentão, mulherengo inveterado, que aprecia a extravagância, nada a opor. O cabelo loiro platinado, as unhas transparentes com desenhos de palmeiras, unha sim, unha não. Já tentei, julgo que num qualquer momento de desespero profundo, aderir a esta moda pirosa, mas não consigo, continuando com as minhas unhas imaculadas e pequenas, num total démodé desesperante. As calças de ganga de cintura descaída, presas com um cinto largo, deixavam antever uma barriga proeminente, ligeiramente a descoberto, por desleixo da blusa que a cobria, cor de rosa choque, levemente enrodilhada. Por cima, um casaco cinzento muito justo, cravejadinho de corações pretos desordenados, fechado em apenas dois botões, que os volumosos peitos a mais não deixavam. Na pele, nada que se visse, limpa e pálida como sempre, com um único remate de batôm rosa choque, que lhe delineavam os finos lábios mal contornados. As botas eram de cano alto, justas e de salto fino, sobrespostas às calças, que formavam umas rugas pela perna, até ao joelho, mais coisa, menos coisa.
Segurava a franja esguia com um gancho de brilhantes preto, e abana-se enquanto me fala, numa ardiloso e construído discurso, proferido por um corpo desconfortável já de há muito, enquanto olhava discretamente para as minhas calças de algodão cinza claro, blusa preta e rabo de cavalo descuidado, preso no alto da testa com o óculo preto que uso para ajudar a minha pobre vista, já por demais fustigada aos castigos que lhe inflijo diariamente. Ela pensava por dentro, enquanto me olhava, que eu sou o descuido em pessoa, é o que dá não ter marido. Eu também pensei umas coisas, mas não digo o que foi.
Tenho pena de pessoas que se controem sob imagem de outros, e não à imagem delas. Deve ser de um desalento sem fim.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Aletria Doce


Fernanda fazia aletria doce como ninguém, havia quem o dissesse. Vivi na casa dela uns anos, enquanto estudava Psicologia, que ia aplicando logo ali, ora nela ora no marido, um casal de velhos, ela gorda e viçosa, ele magro que nem um aipo. Ela pouco fazia, que a idade já era alguma, o peso mais do que muito, e as tábuas de passar a ferro, a quem deu vencimento anos a fio, davam-lhe agora cabo das costas, e da espondilose, vulgo bicos de papagaio. Ele era pastor, coisa que nem sendo verdadeira na cidade de Lisboa, lá bem perto o é, nos arredores, em Loures, mais precisamente. Saia de manhã bem cedo, e regressava já noite dentro, cansado de meter dó, com o saco da merenda vazio na algibeira. Chegava a ter-lhe pena, que a mulher nunca estava satisfeita, e arreliava-o até mais não, com a hora matutina da saída, a hora tardia da chegada, e o cansaço que trazia, que pouco mais o deixava do que aterrar no sofá, aguardar a janta e enfiar-se na cama, para a qual se arrastava gemendo retorcido.
Eu, alma piedosa, intercedia a favor dele, pobre mortiço, que me metia uma pena infinita pelas horas de trabalho passadas ao relento, e que ao invés de receber afagos na chegada, recebia coices, bem piores do que os que levava das cabras que pastava. Era para bem, dizia-me ela, que o queria em descanso e não a trabalhar de sol a sol, mas ainda assim, tinha-lhe dó, que muitos nem saberão o que é levar com a ira de uma mulher contrariada. Terrível.
Aos Domingos, era dia de Aletria. O velho folgava, e Fernanda, num puro manifesto de agrado, uma tentativa de suborno, pode dizer-se, presenteava-o com tal acepipe, sabedora que era da sua afeição, ao qual ele lambia os beiços de satisfação. Na minha espera encontrava invariavelmente um prato. Daquela massa muito fininha, cozida em leite, ovos e açúcar e polvilhada de canela, que eu enjoei logo à partida. Apesar disso, na primeira opinião solicitada, levei-me de boa educação e vergonha, gabando o pitéu, e má hora o fiz. Dai para a frente, todos os santos Domingos, um prato cheio aguardava-me, às vezes morno, às vezes não. Uma boa parte do repasto, era suposto ser comido logo ali, com lambidelas de satisfação e ares de profundo agrado, que o velho, olhava-me deliciado, como que a esperar a minha aprovação ao manjar de sua Fernanda.

Isto tudo para dizer que hoje me deram alcachofras. Provei, não gostei e não comi.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Vizinha

A infelicidade da minha vizinha causa-me arrepios, muitas vezes e especialmente quando me cruzo com ela na escadaria do prédio, local onde muito já me confidenciou, carregada de sacos, com olhos encovados e de cabelos baços. O marido vai muitas vezes atrás, outras tantas não vai, que se perde na taberna da esquina, coisa que até acho que devia ser banida, mas isso sou eu, que tenho qualquer coisa pessoal contra tabernas, confesso. Há por aí muito boa gente que lá se deleita, entre uma imperial e um prato de amendoins, e eu, pobre de Cristo, nem deveria ousar acabar com tal desfrute. Ainda assim ouso, que ouso o que bem entender, ainda para mais que as minhas ousadias, estas, pelo menos estas, de pouco me valem, não passando de meras projecções internas sem concretização possível, e sendo assim, admito, finariam ainda outras coisas. Mas adiante. A minha vizinha morre todos os dias um bocadinho. Bem sei que por ora devem zombar do que digo, que morrer todos os dias um bocadinho, morremos todos, que nesta vida o caminho é mesmo esse, e nada temos mais certo, tal e qual me dizem os meus velhos, cobertos de razão, que ninguém lha tira, aqui e noutras verdades. Morre um bocadinho quando sobe a escada defronte a ele, que a impulsiona com destratos e a faz chegar mais depressa. Morre um bocadinho quando lhe atura o bafo de álcool, noite dentro no leito. Morre um bocadinho quando lhe prepara o jantar, que nem nunca sabe se vai servir ou não, depende da hora do regresso. Morre um bocadinho quando ouve afrontas de nada fazer, quando na realidade se esvai em trabalho, dias, noites e feriados santos, a fim de dali sair sustento a todos, e ainda à pinga e ao fumo do senhor, escrito em letra bem pequena, porque assim o entendi. Morrer todos os dias um bocadinho, poderá até ser uma realidade comum a todos, desejava porém uma nova, em mais uma ambição sem sentido, utopia, o que queriam chamar-lhe, que era juntar vida a esse caminho para a morte, que de tão certa, nem vale a luta que alguns lhe fazem todos os dias.

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