domingo, 3 de outubro de 2010

Terrenos baldios

Bem sei que os estimo, que me chegam às mãos já na fragilidade, no culminar do processo da existência, quando a debilidade se instala, a doença se manifesta, e a dependência é lugar comum. Defendo-os com unhas e dentes, desconhecedora que sou, que só o posso ser, dos caminhos percorridos, não raras vezes tortuosos, em si e na envolta. Quando nos caem no colo, o sorriso é fácil, que de nós dependem, e a simpatia quando necessária, é atingível a todos, mesmo aos que pareciam nunca lá chegar, afigurando-se sólida no final da vida, forte coisa é a precisão.
Conta-me um pouco da sua história, que é pai de quatro filhas Mulheres, a quem muito já deu de si, com um amor incondicional, que aprendeu à sua custa, porque recebê-lo, nunca o recebeu. Viveu em terras de Angola, em tempos idos, em casas austeras de paredes verdes e mobiliário imponente, rodeado de criadagem. Filho de um Pai rígido, Gerente de um qualquer Banco e de uma Mãe doméstica, que enchia os seus dias de passeios, costura e lidas da casa, e para quem o tempo nunca sobrava para os filhos, entregues a uma ama que se ocupava deles com dedicação, mas sem amor de mãe, que me jura a pés juntos, nem bem saber o que é.
Na casa as brincadeiras eram feitas com cuidado, ou não fossem partir-se os cristais que ornamentavam as mesas, terrível coisa seria, suficiente, sem dúvida, para o emergir de um castigo severo, a fim de punir tal descuido, nada digno de meninos de bem. Já na adolescência, o trato mantinha-se e a distância impunha-se, que os tempos eram de estudos, trabalhos e preparação para o regresso ao País, na eminência de ser concretizado.
Cresceram ambos os irmão assim, sem memórias de carinhos, afagos ou outras meiguices que lhe dourassem o passado, e que agora lhe amenizassem o fardo de dela terem de cuidar, que ainda assim cuidam, talvez pela obrigação. Porque ambos são grandes o suficiente para dela zelarem, o melhor que podem, no que lhes está ao alcance; chegam-se a ela e dão-lhe o beijo na testa, sorriem-lhe da forma possível, importam-se que esteja bem. Tem sorte a Dona Irene, que quase vejo nos filhos um carinho tardio, crescido em terreno selvagem, onde nem era propício surgir, e surgiu.
De fora, na fragilidade do desconhecimento chego a condenar quem se demite, que poderá até, ser detentor de histórias piores, terrenos mais baldios, tratos de todo penosos.
Esqueço-me das vicissitudes de alguns caminhos e nem sequer devia fazê-lo, que neste Mundo, nem sempre mãe é mãe, e quando assim é, talvez até seja natural, um filho, não ser sempre filho.

2 comentários:

  1. Sabes que noutros tempos a educação fazia-se muito «à inglesa» e os afagos não faziam parte dela. Aos pais, tanto um como outro, cabia-lhes mais o destino do encaminhamento (pelo trilho certo de preferência); enfim, fazer deles Homens e Mulheres...
    Não quer isso dizer que o amor não existisse e não se sentisse, entre gestos e olhares. Talvez sejam esses «os terrenos selvagens» a que te referes...:):):)

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  2. Antígona, por certo muitos casos seriam esses, que bem sei que assim era. No entanto, julgo existirem casos mais severos, que deixam marcas mais profundas. Ainda que não fale especificamente desse aqui e agora, tenho muito perto um, que é quase o que refiro, mas de nuances muito piores. Haverá de tudo, por certo... Sorrisos para ti :)

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