Vejo a consulta de obesidade e lembro-me dela.
Houve um dia, em que me confessou ter comido as sobras de um bolo de aniversário numa noite, sobras essas de quantidade considerável. Nesse dia confidenciou-me ainda, que antes de dormir, come, invariavelmente, um pacote de bolacha Maria molhada em leite, nas quais chupa devagarinho, pedaço por pedaço, a fim de as degustar com precisão e prazer. O prazer que lhe dá a bolacha, a cada dia, ou melhor a cada noite, sofre-o em castigo dobrado na manhã seguinte, castigo esse que se inicia na hora a que sai da cama, momento em que a culpa se acende para a atormentar ao infinito, quando se olha ao espelho, quando se veste para sair à rua, quando se despe na piscina.
Em cada uma dessas horas, jura a si mesma a jura de sempre, que nesse dia, na hora do sossego, sossegará sem bolachas, sem leite, sem bolos. Jura ainda que a refeição será parca e cuidada, respeitadora dos métodos impostos pela Nutricionista, que zela por ela com dedicação e afinco, vejam bem, ela, que nada tem a ver com o assunto, a não ser nos trâmites profissionais, ainda se esforça. Em vão, diga-se, a bem da verdade, pela fraqueza demonstrada pela paciente, um dia após o outro.
Nem bem me explica o que a faz comer assim, mas a mim, parece-me ser uma dualidade tamanha, aplicável aqui e em outros casos, e que surge, numa primeira fase, e excluindo situações de doença, numa necessidade extrema de conforto, que a comida, a isso se presta, num perfeito remendo para outras carências. O descontrolo surge depois, quando o caminho perigoso já se trilhou, e o retrocesso se encontra longe, quase de impossível alcance, o que aumenta o desconforto e a necessidade de compensação.
Um ciclo vicioso desesperante, que quem não conhece, por dentro ou ao perto, inclui no cabimento da preguiça ou da gula, numa ignorância do que circunda a doença, muitas das vezes, já de carácter crónico e de difícil solução.
O respeito pela situação, poderá ser uma mais valia, mas, e ainda que nem se considere tanto, parece-me pelo menos protector, de alguém que por meandros diversos, já se encontra em fragilidade. Quase parece fácil, mas nem sempre o é.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Deixar um sorriso...