Deambulava-se pela escola com um ar meio alucinado, ninguém bem percebia o que lhe povoava a mente. A grande telenovela da altura, vinda do Brasil, como de resto, ainda é hábito hoje, tratava de várias histórias de mulheres, uma delas era Guta, uma morena alta de cabelo curto, cheia de estilo e savoir faire. Resolveu retratar-se nela, com um quinto do estilo, nenhum savoir faire, e muita desorganização interna, que eu, embora detectasse, nem bem a sabia classificar, e por isso, apenas a apelidava de tonta. Provinha de uma família disfuncional, que há por aí quem não goste do termo, mas a mim faz-me sentido, que famílias em que as junções existem à força sob a fragilidade, não funcionam ou funcionam mal, e nada melhor para as classificar do que este termo, concreto, conciso e certeiro.
O pai sofria de uma qualquer perturbação sexual, que nem nunca bem entendi qual, e a mãe, uma submissa, com quatro crias no redor, submetia-se aos desejos do marido, e confidenciava à filha mais velha, as atrocidades a que se sujeitava, ao que ela ouvia e a aconchegava, que de resto, nem mais podia fazer-lhe para além disso. Era forte, dizia-lhe a mãe, que nem bem se apercebia da fragilidade que já emanava, fora de casa, em sociedade, dado que no seio da família, assumia papel de protectora, o que a catapultava aos pícaros na consideração conseguida.
Um dia acordou bem cedo, após uma noite de balbúrdia familiar e julgou-se a Rainha de Inglaterra, ninguém mais poderia atingi-la, que agora, era grande e forte a sério, grande em figura, grande em porte, grande em Excelência, que Rainha é Rainha, nem sequer é para qualquer uma.
Em aflição perante tal desaire, a pobre da mãe insistiu leva-la ao Médico, que na sua fraca sapiência em saúde mental, soube dizer que a situação se impunha grave, e que merecia estudo detalhado. O pedido de consulta à Psiquiatria, dada a urgência demonstrada, surgiu breve, e o diagnóstico deu-se. Esquizofrenia.
Dai até hoje, já a soube em muitos locais, já foi mãe, continua filha. Nos entretantos, e na fragilidade interna, ausentou-se, deixando o filho aos encargos do pai, que altos voos tinha sonhado para si, nada a ver com o que agora dispunha, uma mísera família, normalíssima e sem grandeza, e um conjunto de comprimidos a tomar diariamente, que nem lhe apetecia tal rendição.
É uma das muitas pessoas doentes mentais perdidas no Mundo. Hoje é o dia delas, e parece existirem soluções à vista. Oxalá surjam, e encaminhem esta e outras loucuras, há muito desprotegidas.
Mais uma vez - bravo CF, pela divulgação desta gente esquecida, arrumada, para não estorvar.
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