Chego e lá estava ela, Idalina, que arranjava as unhas encardidas enquanto aguardava que a cabeleireira terminasse o penteado armado da Senhora de setenta e muitos. Ela bem queria mantê-las brancas, mas a lida do dia a dia nem isso lhe permite, pelo que é com obrigação de devota, que todos os santos Sábados as limpa, as apara e arredonda, a fim de deixar em suas mãos, o ar cuidado e apresentável, exigido a uma Senhora de bem, que isso, ela será até à morte, venha quem diga o contrário.
Enquanto lhe limam as unhas, vai-se queixando baixinho, num ritmo lento e constante, quase parecendo, que a lima da manicura, lhe solta a língua a cada passagem, nem era preciso, que Idalina solta-a em qualquer esquina, em cada paragem, a cada ouvido que a escute, ou até que a oiça, que ela já nem bem ambiciona a escuta, difícil de encontrar, para não dizer impossível.
Já o ouvido, órgão isolado e sem vontade própria, mais não pode fazer do que ouvir, quando ela se abeira das gentes que podem até divagar longe, mas que lhe deixam o dito aberto e disponível para o exercício de sua função, pelo que isso lhe chega, independentemente do resto.
Até porque o que ela precisa mesmo, a toda a hora e a cada minuto da sua malfadada existência, seja para um ouvido, seja para uma mente, seja para um cão ou para um gato, ou seja até, quiçá, para uma parede morta e muda como mais nada , é de repetir o que já há muito repete, e que trata dela e do marido e da mulher que lho levou, à revelia do pobre, que mais não conseguiu do que deixar-se ir.
A cada palavra, em cada dia, acrescenta um pormenor e retira outro, encontrando sempre uma nova justificação ou fundamento, que o desculpe, que o iliba, que o proteja das decisões que tomou, em completa inconsciência, que disso precisa para dele continuar à espera. Fora ela não falar no assunto, fora ela deixar adormecer e esquecer, a forma como à traição, aquela Mulher lho levou, e quem sabe lhe ganhava mágoa, podendo até deixar de conseguir continuar na espera, e dela tanto necessita para viver.
Na sua perca, nem vê o que por cá a segure, que os filhos têm vida feita, e ela, por ora espera, numa sustentação débil e fraca, mas suficiente para que respire todos os dias, um a seguir ao outro.
Idalina, era o nome da minha avó, hoje relembrado no Espinheiro, nos Amiais, em Pernes, e claro, nos olhos.... :)
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