Ainda a propósito de pais e filhos, recordo o Samuel, numa história muito mais dramática, nada a ver com a que relato ali atrás. Não mais me esqueci dos seus olhos, sedentos de carinho e atenção, que miravam em ânsias a mãe que chegava, sob minha convocatória, a fim de analisarmos o seu futuro escolar. Em regime de internato há tempo considerável, ia a casa uma vez por mês, por imposição da Comissão de Protecção da zona de residência, em conjunto com o Tribunal de Menores de Lisboa. Samuel tinha um irmão, filho do Padrasto que residia com a família, num ambiente que desconheço. Era um jovem de ar trigueiro, sorriso fácil, dentes brancos e alinhados, que via na bola o seu futuro. Tinha inteligência suficiente para trilhar caminhos, mas vontade menor em fazê-lo, que jogava bem e isso chegava-lhe.
A mãe, uma Mulher gorda de cabelo preto e corte à Beatriz Costa, apareceu naquele dia, trazida por um transporte que requisitei, não fosse dar-se ao luxo de faltar, seria bem possível. Trazia unhas pintadas de vermelho sangue, umas meias pretas, mini saia e um casaco de pelo, num conjunto vulgar e de todo condizente com a sua postura integral. Entra no meu gabinete, estende-me a mão, e senta-se, enquanto na outra mesa, o filho aguardava um sorriso que nem sequer chegou, um olhar que não veio, um beijo que não surgiu. Falou-me e analisou-me o Samuel, como se ele fosse uma mercadoria estranha com necessidade de enviar para algum lado, fosse ele qual fosse, era apenas preciso ele ir. Ela nem tinha meios de o sustentar, nem um marido que a apoiasse nessa tarefa, logo, a casa dela, nem era lugar para ele. Qualquer outro seria, menos aquele.
Nestas lidas das gentes, aprende-se a controlar impulsos, a abrandar fúrias e a tentar soluções, por parcas que sejam, a fim de manter um mínimo de laço, quase já num fio, mas que ainda assim não queremos perder. Nem é a bem de quem peca, que a esses, que os leve o Diabo, é a bem de quem deles precisa, que por obra do infortúnio, nasceu de alguém que nem sabe ser pessoa, quanto mais ser mãe.
O Samuel seguiu desporto e perdi-lhe o rasto, como de resto, já perdi a tantos outros. Nem bem sei por onde anda, mas gostaria. Ela possivelmente, também não saberá.
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