terça-feira, 12 de outubro de 2010

Tristezas

Dona Antónia está triste. Está triste porque perdeu o marido, companheiro de uma vida, daquelas felizes, julgo nem existirem já muitas assim. Casou cedo de casamento cumprido, vá lá, teve sorte, que se afeiçoou a José com um amor que muitos nem conhecem. José foi marido dedicado, bom pai de família, trabalhador esforçado, que pão em casa nunca faltou. Antónia lidava em costura, que sempre era uma ajuda aos ganhos do marido, e dizem por lá na aldeia, que nem havia, ali e nas redondezas, modista assim, que de suas mãos surgiam verdadeiras obras de arte, sendo inclusive autora do manto que cobre a Santa na procissão, tamanha honra a comunidade lhe deu, que o bordou e costurou com uma dedicação como não há, que a Santa, padroeira de sua terra, até lhe tinha dado graças, pelo que só a deleitou, a realização de tal obra, perfeita, diga-se, em abono da verdade.
Ainda em novo partiu José, de filhas já criadas, acomodadas por sua própria escolha, que isto agora é assim, escolhe-se, escolhe-se, e mais se erra, é o que é, que por sua boca, nem já por cá existem amores como o que ganhou a seu José, tão puro e imaculado. Suas filhas já não o tiveram, muito menos terão as netas, moças de agora, que ao invés de valorizarem o trabalho e a honra, nem bem lhe conhecem o valor, sendo que acatam qualquer desgraça que lhes acene, de olhos malandros e ar gingão.
Talvez por isso ninguém entenda a sua tristeza, que por dorida que seja faz parte de si, que a tristeza é inerente à vida, ainda para mais à vida de quem perdeu tão grande amor, que não mais o verá, nem mais o sentirá nos seus braços, pior de tudo, não mais o cuidará, coisa que a aprazia muito. Que a deixem, triste quando as saudades apertam. Não há quem lhas tire.

História de alguém que conheço

Porque a tristeza faz parte da vida, e existe por aí quem nem bem entenda isso.
No meu parecer técnico, o abuso de antidepressivos que se verifica actualmente, dá-se, essencialmente, devido à ausência de orientação efectiva, e na tentativa de camuflar um estado de tristeza, que se renega, mas que só é patológico em determinadas dimensões.
A depressão é uma doença, a tristeza é um processo natural. Há que diferenciar. Curar a primeira, se for caso disso, aprender com a segunda, que para nosso pesar, tanto nos ensina.

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