O que me faz reflectir... Todos os textos que aqui publico são de minha autoria, e as personagens são fictícias. Excluem-se aqueles em que directamente falo de mim, ou das minhas opiniões, ou onde utilizo especificação directa para o efeito.
sábado, 21 de janeiro de 2012
Imaginação
Na casa da tia Augusta ardia sempre um tronco de árvore grosso, que se consumia devagarinho na lareira alentejana, ali para os lados do Ribatejo. Moravam lá uma série de irmãos, uns homens outros mulheres, que partilhavam um sofá grande e esburacado situado defronte à lareira. Aquela lareira tinha um som diferente das outras lareiras que conheço, e fazia uns estalidos secos, muito seguidinhos, que permitiam que a envolta acordasse dos sonhos que ali sonhava, uns a dormir outros acordados. Ela sonhava acordada com uma intensidade muito grande, tal e qual fosse mesmo verdade tudo o que lhe vazava da mente. Havia momentos, em que se inquiria a ela própria se a história da noite anterior teria sido apenas dela, vivida por dentro do corpo, à mercê da imaginação, ou se por ventura teria sido real, tal era a exactidão dos pormenores que recordava, como o cheiro a pão, ou o calor da mão. Bastavam-lhe então uns minutos de concentração, um olhar em redor, um sentir mais apurado, para de imediato perceber que tudo aquilo não passavam de imaginações construídas, vindas directamente do querer, a maior das nossas alienações. E digo a maior das nossas alienações, não sem ter consciência do importante papel que tem nos nossos caminhos, nas nossas escolhas, nas nossas vivências. Digo-o apenas, porque não obstante toda esta vertente altruísta que nos deposita no corpo, acaba também por vezes por nos frustrar a existência, quando se assume exigente, exacerbado, infundado, ilimitado. A linha ténue que divide o mundo possível do impossível deixa-nos por vezes confusos, tal e qual a deixava a ela, igual a todos nós. Desenvolveu-lhe com o tempo uma relação muito especial. Sentada em frente à lareira sonhava todos os seus quereres devagarinho. Construía histórias com princípio, meio e fim, locais de execução do querer, companhia, solidão. Com o tempo deixou de destrinçar realidades de imaginação. Eram apenas as suas vontades, que sentia intensamente, quer vividas, quer sonhadas, quer apenas imaginadas.
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Provavelmente teria dado uma boa escritora :):)
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