quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Nazaré Cristina

Existem ocorrências que me escapam à catalogação. Dou voltas dentro de mim, vasculho os compartimentos e hesito entre arrumá-las no medo, na revolta, na compreensão, ou ainda entre laminá-las de forma miúda, e enfiar em cada um deles um bocadinho, a fim de destilar o sentimento. Chegou. Maria do Rosário, entre outras do mesmo nome. Deitou-se, acolheu-se, apenas até eu perceber, por mero acaso, não ser aquela a que eu esperava. Tinha vindo por engano, numa maca trasportada por uma ambulância desconhecida. Vestia um pijama polar dois tamanhos acima do dela, e tinha quatro filhos e vários netos, foi o que consegui apurar antes de me dar conta do engano. Coube-me a mim dizer-lhe que afinal não pertencia ali. Que tinha de ir para um outro sítio que nem eu nem ela sabíamos qual era. Era um outro qualquer, com todas as inerências que as incertezas acartam, sabíamos isso. Olhou-me com uns olhos um tanto ou quanto assustados. Perguntou-me que confusão era aquela, onde estavam os seus. Os dela, eu não sabia quem eram e muito menos sabia onde estavam. Estavam algures perto de uma terra distante, dizia-me. Que incoerência. Um engano, um simples engano. Um sobrenome esquecido, um caminho enganado, que entretanto se remendou. Ficou-me porém um desconforto interno. Trocou-se gente, não é exactamente igual a trocarem-se outras coisas, como pertences pessoais. Eu própria já troquei uma mala. Até aceito com relativa facilidade as trocas feitas em gente consciente, e por gente consciente. De uma por outra, de esta por aquela, do daqui para ali. Mas estas trocas de gente que depende de outros e que vai para onde os levam, é no mínimo perturbadora. Num ápice, e sem conseguir fugir, construí uma história idêntica de um futuro para mim. Esperarem-me num lado, levarem-me a outro. Encontrar gente que me recebe mas que não é minha, e posto isso tenho de ir embora. Ainda para mais tenho um nome do mais vulgar que pode haver. Nasceram naquela época toneladas de mulheres com o mesmo nome que o meu, motivo mais do que suficiente para que a minha preocupação se eleve até ao limite do desconforto, pela extrema possibilidade que existe de um dia ser trocada por outra. Afinal, a triste ideia tida por minha mãe de me chamar Nazaré Cristina, um nome repugnante mas nada vulgar, de imediato renegado pelo meu querido pai, poderia até nem ter sido completamente má.

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